Título: Preços em alta exigem consumo moderado
Autor: Fishlow, Albert
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2011, Economia, p. 16

Os meios acadêmicos e jornalísticos mundiais apelidaram de brasilianista quem dedica seu tempo a esquadrinhar o passado, a examinar o presente e a perscrutar o futuro do maior país da América Latina. Uma das figuras mais destacadas dessa curiosa fauna é o economista norte-americano Albert Fishlow, professor emérito da Universidade Columbia, em Nova York (EUA), onde dirigiu o Center for Brazilian Studies. Ele concentrou a atenção no Brasil ainda em 1965, quando integrou uma das primeiras equipes do órgão que antecedeu o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Fishlow lançou, na semana passada, o livro O novo Brasil, em que trata, com argúcia, dos avanços políticos, econômicos, sociais e nas relações internacionais experimentados pelo país nos últimos 25 anos. Mas seus olhos não deixam de estar atentos às dificuldades conjunturais. ¿Claramente, o momento atual é especial. Crescentes pressões do petróleo, de minerais e de produtos agrícolas passaram a influenciar os preços internos de serviços e de artigos industriais¿, diz. Ele não vê risco de o Banco Central perder o controle sobre a inflação, mas alerta: ¿Um crescimento mais moderado do consumo é desejável¿. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

Preços em alta exigem consumo moderado

O governo tem problemas para domar os preços. Qual é o risco de perder o controle? Eu não vejo risco de a inflação sair do controle. O Banco Central criou um impressionante histórico em que as taxas de juros reais caíram dramaticamente desde a adoção de metas de inflação e em que os índices de inflação têm oscilado menos. Claramente, o momento atual é especial. Crescentes pressões do petróleo, de minerais e de produtos agrícolas passaram a influenciar os preços internos de serviços e de artigos industriais. Como a capacidade industrial está perto do limite e as importações aumentaram muito, ajudadas por termos de troca favoráveis, um crescimento mais moderado do consumo é desejável.

O Brasil está, de fato, se desenvolvendo ou apenas cresce economicamente? O país mudou muito nos últimos 15 anos. Em todos os aspectos. Os progressos na política, nos programas sociais e nos assuntos externos é tão impressionante quanto a eliminação da inflação, a expansão e a diversificação do comércio exterior e a privatização de grande parte da economia. Isso é muito mais do que simples crescimento econômico. Permaneço confiante de que o Brasil vai continuar a mudar e a se desenvolver nos próximos anos.

O Brasil corre o risco de se tornar uma nação rica com um povo pobre? O Brasil continua a sofrer de um elevado grau de desigualdade de renda em comparação com outros países. Mas o número de pessoas na pobreza tem caído muito e houve progresso na redução da desigualdade na última década. Além disso, o crescimento da classe C tem sido bastante significativo, abrindo oportunidade para um grupo maior se beneficiar do acesso ao crédito e ao consumo. A longo prazo, educação de melhor qualidade e inclusão universal na escola secundária são o segredo para garantir uma sociedade mais justa.

Quais são as prioridades para que a população venha a ter uma boa qualidade de vida? Uma boa qualidade de vida tem que levar em conta o futuro. Isso significa um maior nível de poupança e menos consumo hoje, de forma que o investimento necessário possa ocorrer, garantindo mais produção amanhã. Como percentual da renda, o investimento no Brasil é muito menor que na China e na Índia. A segurança, a saúde e a educação são essenciais para o desenvolvimento brasileiro. Os esforços devem começar já para que mudanças necessárias ocorram na sequência. Não é preciso fazer alterações de rumo radicais, mas reformas contínuas que adaptem os sistemas para que os objetivos sejam alcançados.

Reformas econômicas ainda são necessárias? Acredito que reformas adicionais continuam a ser importantes em todas as quatro áreas que eu discuto no livro (conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais). Desenvolvimento econômico bem-sucedido é um processo de adaptação contínua aos sinais do mercado e de constante mudança institucional. Responsabilidade cívica e aprofundamento da democracia é parte dessa mesma história. O mundo como um todo, e não apenas o Brasil, está envolvido nesse processo.

O governo está certo ao aumentar a presença do Estado? O tamanho do Estado brasileiro, que já é elevado mesmo em comparação com os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), deve crescer nos próximos anos. A presidente Dilma Rousseff acredita fortemente no desenvolvimento de uma política industrial para estimular a inovação e a competitividade. Isso coloca um peso ainda maior sobre o governo para garantir que a produtividade do Estado também aumente: na educação, no SUS (Sistema Único de Saúde), no fornecimento de infraestrutura física e de habitação, no sistema de segurança social e em outras áreas. Significa, também, que o Estado tem de começar a poupar e a investir mais e a consumir menos.

Que papel o Estado deveria ter aqui: o de indutor do crescimento ou o de facilitador de negócios? O Estado deve regular o setor privado em diversas atividades, poupar e investir em áreas com elevada taxa de retorno social e se envolver em cooperação com o setor privado em outros campos. O Estado deve ser ágil e politicamente sensível. É um assunto muito mais complexo e variado do que uma simples questão de completo controle central ou total liberdade individual.

O Brasil é, de fato, mais importante no cenário internacional ou isso não passa de propaganda do governo? O país é mais importante internacionalmente do que antes. Isso representa uma possibilidade favorável nos próximos anos. É um componente importante do G-20, que reúne as principais economias do mundo. É um membro do Bric (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China) e do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul). Brasília serviu como local de encontro com muitos dos importantes países árabes. Grande ênfase tem sido dada às relações Sul-Sul. Talvez a visita de Barack Obama tenha representado a possibilidade de garantir que a posição internacional do Brasil seja mais equilibrada. A Rodada Doha de liberalização comercial está empacada e o governo não avança em acordos bilaterais com países de peso. Como aumentar a participação no mercado externo? Como um dos principais competidores nas exportações agrícolas e minerais e, possivelmente, de petróleo, o país está ansioso para conseguir oportunidades maiores na Rodada Doha. O Brasil experimenta uma expansão constante na venda de artigos manufaturados, enquanto a subida dos preços é responsável pela participação crescente de produtos primários nas exportações. Os destinos dos produtos brasileiros têm se diversificado com a chegada de novos mercados e os itens industriais se reforçam nos Estados Unidos e nos vizinhos da América Latina. É evidente que a taxa de câmbio torna a situação mais difícil. Isso significa que é preciso dar mais atenção aos ganhos de produtividade.

Como competir com a China e a Índia? A China e a Índia aumentam o consumo de produtos brasileiros, mas, ao mesmo tempo, são fontes de crescente competição no comércio internacional. Essa é a dualidade inevitável que o Brasil enfrenta. É por isso que o país precisa continuar a melhorar a qualidade de seus produtos industriais destinados à exportação a fim de assegurar um papel crescente no comércio mundial.

Com Obama e Dilma, as relações entre EUA e Brasil vão melhorar? A presidente Dilma Rousseff está consciente das oportunidades que uma presença internacional mais equilibrada traz para o Brasil. Por isso, Obama visitou o país, estendendo a relação bilateral em favor de uma maior aproximação. Esse primeiro encontro entre os presidentes pode se tornar a base para um avanço não apenas em relação ao pleito do Brasil por um assento no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), à eliminação das tarifas sobre o etanol e ao progresso na Rodada Doha, mas também para a exportação de produtos norte-americanos tecnologicamente sofisticados para aperfeiçoar a produtividade brasileira.