Título: It is here now
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2011, Opinião, p. 23

Advogado

A visita do presidente dos EUA ao Brasil vai além de um mero gesto protocolar. Guarda sentido com o desejo de recompor o domínio de espaços perdidos. É difícil dizer se o cenário criado se deu por culpa de um, de outro, ou se de ambos os países; ou, ainda, se diretamente de seus presidentes. Lula chegou a dizer num gesto de carinho por Obama, por ocasião da reunião do G-20, em Londres, em abril de 2009, que ele se parecia fisicamente com um dos nossos da Bahia. O presidente americano retribuiu com afago o ego do interlocutor, ao afirmar que ele era o cara, ¿o político mais popular da Terra¿.

As relações entre ambos, contudo, se deterioraram quando o presidente brasileiro afiançou ter autorização de Obama para intermediar entendimentos com Ahmadinejad sobre a pendenga de enriquecimento de urânio. O mundo aguardou com ânsia os resultados da missão. A confirmação do mandato para Lula agir em seu nome não se deu, Obama sumiu e o acordo se acabou. Como ordena a arte de fazer política, nunca se deve trancar as vias de comunicação entre políticos, embora o ex-presidente brasileiro não tivesse comparecido em momento algum da visita do presidente americano. Certo resíduo de mágoa deve haver no brasileiro, afinal foi ele o único entre todos os ex-presidentes a não comparecer ao jantar oferecido pela presidente da República ao ilustre visitante.

A imprensa dos EUA não perdoou Obama por ter feito ¿um passeio turístico¿ pelo país do carnaval em momento delicado por que passa o mundo. Devia ter permanecido no país para melhor acompanhar o drama do maremoto ocorrido no Japão e o ataque dos aliados à Líbia. A visita, entretanto, visualiza alvo bem mais circunstancialmente definido do que o ímpeto acusatório expresso pela imprensa americana. Centra-se na preocupação com um país que ocupa o quinto lugar em extensão territorial entre todos os países do planeta, com prolíferas riquezas minerais e robusto agronegócio; possui uma população que se aproxima dos 200 milhões de habitantes e um graúdo mercado consumidor; além do mais, saiu da estagnação econômica atávica do passado e começa a dar sinais de desenvolvimento. É fato recorrente que se há de reconhecer.

A constatação desse quadro pode ser feita pela ascensão de classes sociais primárias que migraram para outras de níveis mais altos. Os reflexos do fenômeno se comprovam pelas viagens que pessoas desses estamentos passaram a fazer, como se pode observar da superlotação de passageiros nos voos da aviação comercial. Viagens não só para dentro do território nacional, mas, também, para o exterior. Dezenas de navios estrangeiros frequentam atualmente a costa do país com muitos milhares de turistas a bordo. Segundo noticiário veiculado na semana passada pela mídia nacional, mais de 54 mil vistos temporários foram concedidos nos últimos meses para cidadãos estrangeiros poderem trabalhar como tripulantes em embarcações durante a temporada de verão. Some-se, ademais, aos empregados alienígenas os empregados nacionais, que devem corresponder a 25% de toda a relação de contratados para trabalhar nos navios. Destaque-se, por justiça, que a inclusão dessa obrigatoriedade se deve à atuação do Ministério Público do Trabalho encarregado da fiscalização das relações de trabalho nos portos e navios que operem em turismo na costa brasileira.

O EUA não deram conta de que o Brasil precisava crescer. Impuseram restrições às exportações de produtos nacionais, até mesmo àqueles constantes da lista tradicional de venda para consumo de seu mercado interno. Esqueceram-se de que o país, com suas potencialidades de crescimento, tinha que buscar alternativas para seus produtos em outros mercados compradores. Foi nesse contexto que a China pouco a pouco se transformou na maior parceira comercial do Brasil, desbancando a antiga primazia dos EUA. As perspectivas de aumento das exportações para esse país são cada vez mais visíveis. Além da China, também a Índia está a abrir as portas para as exportações nacionais. Deve se tornar, na medida em que o povo melhora o padrão de vida, como já acontece, atraente mercado para absorção de produtos do Brasil. É um mercado de quase 1,2 bilhão habitantes de que o país não deve jamais se descuidar.

Os EUA perderam terreno nas relações bilaterais de comércio com o Brasil. Com a recuperação da economia nacional, pode-se dizer que são eles os mais prejudicados com a redução das transações. A presença de Obama no Brasil tem o escopo de tentar buscar de volta negócios ultimamente negligenciados. Sua visita não é somente de passeio e de cortesia. Não veio aqui apenas como presidente de um grande país, mas, sobretudo, como emissário da inteligência de uma nação que quer reconquistar a confiança e os negócios perdidos. Ninguém melhor do que o próprio presidente, com o seu charme e simpatia, para traduzir esse sentimento. Sentimento de quem sabe que não pode abandonar o velho aliado e parceiro do sul do continente. Daí a profusão de gentilezas nos pronunciamentos. O discurso no Theatro Municipal é mais do que conspícuo. Por isso repetiu que o Brasil não é mais o país do futuro. ¿It is here now.¿