Título: Obama na América Latina
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2011, Mundo, p. 26

No início do discurso que pronunciou no Chile, endereçado a toda a América Latina, Barack Obama disse saber que não era o primeiro presidente dos Estados Unidos a ¿prometer um novo espírito de parceria¿. Com isso, reconheceu a dificuldade que os mandatários americanos têm demonstrado, ao longo de décadas, para posicionar o continente como tema de fato importante na agenda externa dos EUA. Nem o carisma ou a aparente boa vontade de Obama, demonstradas em seu périplo de cinco dias pela região, vão mudar isso.

A decisão de não cancelar a viagem nem encurtá-la, mesmo com o início de sua primeira guerra, na Líbia, foi vista pelos governos de Brasil, Chile e El Salvador como mais do que uma gentileza: foi uma demonstração da importância que a região alcançou. Para alguns especialistas, no entanto, a viagem para no simbolismo puro e simples, e a América Latina seguirá como tema secundário para Washington nos últimos dois anos de governo Obama. À exceção, é claro, do Brasil, que oferece saídas para alguns dos principais problemas dos americanos hoje: a grave crise econômica, que teima em não ceder, e os altos índices de desemprego.

¿O Brasil, agora, está sendo diferenciado dentro da região. Isso pôde ser visto nos discursos de Obama e no comunicado conjunto. O presidente colocou o Brasil como uma potência regional que tem peso global. Foi um reconhecimento público¿, observa Rubens Barbosa, que foi embaixador em Washington entre 1999 e 2004. Para o diplomata, no entanto, foi ¿decepcionante¿ a fala de Obama destinada à região. ¿Ficou claro que a América Latina não tem prioridade lá. Uma das propostas que ele apresentou em Santiago foi aumentar para 100 mil o número de estudantes latino-americanos nos EUA¿, ressalta Barbosa.

Entre um elogio e outro à democratização que se consolida na região, Obama pontuou alguns temas-chave da política dos EUA para a América Latina, como a luta contra o narcotráfico, a segurança e a promoção do comércio ¿ mas sem grandes compromissos em qualquer um deles. Ele mencionou a necessidade de investir em programas de prevenção de crimes e sobre o trabalho que Washington já vem realizando com o México e a Colômbia no combate aos cartéis. Também reconheceu que a demanda por drogas, principalmente dos EUA, movimenta o tráfico, e disse que os EUA propuseram aumentar em US$ 10 bilhões o financiamento para programas de educação, prevenção e tratamento de usuários no país. E só.

Herança paternalista Para a professora Cristina Pecequilo, da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), Obama não conseguiu sair do tom ¿paternalista¿ tão adotado por seus antecessores para a região. ¿É aquele discurso que parabeniza, mas fica sempre dizendo que tem que fazer as coisas de uma mesma maneira¿, avalia a especialista. Mudanças à vista, nem pensar. ¿Essa será uma grande frustração na América Latina, a manutenção de uma agenda basicamente unilateral¿, afirma.

De fato, Obama deverá ter pouco ou quase nenhum tempo para voltar em pensar na vizinhança nos seus dois últimos anos de governo. Ele acaba de iniciar a sua própria guerra, na Líbia, e ainda não conseguiu encerrar as duas de George W. Bush, no Iraque e no Afeganistão. Também não fechou a prisão de Guantánamo, o primeiro compromisso assumido ao chegar à presidência, e o processo de paz entre Israel e Palestina acumula retrocessos sob seu governo. Sem contar os enormes desafios internos, com um pesado deficit, desemprego elevado, uma reforma na saúde que ainda não engrenou e pendências sobre a questão da migração. Além da corrida à Casa Branca, que indiretamente já começa este ano e estará no centro das preocupações de Obama até 2012.

O especialista Peter Hakim, presidente do Interamerican Dialogue, defende que é preciso esperar para ver os resultados. ¿Os EUA vão aprovar os acordos comerciais com a Colômbia e o Panamá e permitir o acesso de caminhões mexicanos às suas estradas, como exigido pelo Nafta? Se não, o Brasil e outros países continuarão cautelosos sobre o prosseguimento de acordos econômicos¿, afirma. Para ele, a falta de um avanço sério na reforma das leis de imigração continuará sendo fonte permanente de tensão entre os EUA e seus vizinhos, em especial o México. Mas Obama também continuará jogando para o público interno, que visivelmente não compreendeu a razão dessa viagem, nem a insistência em fazê-la em um momento de turbulências, dentro e fora do país.

Sinal de interesse

A viagemde Barack Obama pela América Latina, passando por Brasil, Chile e El Salvador, demonstra o interesse da Casa Branca em se reaproximar da região, avaliou o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. ¿Acredito que foi uma demonstração de interesse em retomar o diálogo construtivo com a região¿, afirmou Patriota em La Paz, onde se reuniu com o presidente boliviano Evo Morales (D). ¿Essa viagem mostra o reconhecimento de que somos uma região que não apresenta problemas, e sim soluções, em um mundo que passa por tantas turbulências.¿