Título: Falta de qualificação é o nó do mercado
Autor: Branco, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 27/03/2011, Cidades, p. 40

Há vagas para trabalhar, mas não há quem as preencha. A situação é expressa por números. De acordo com dados da Secretaria de Trabalho do Distrito Federal (Setrab) fornecidos, nos últimos três anos, a pedido do Correio Braziliense, a média de contratações de candidatos encaminhados para processos seletivos pelas 17 agências do Trabalhador do DF ficou entre18% e 20%. Isso ocorreu apesar de o índice de pessoas encaminhadas para entrevistas ser elevado. Em 2010, 80,17% dos inscritos nas agências foram entrevistados. Em janeiro deste ano, o percentual foi de 82%, e em fevereiro, de 72%. O governo local admite que a maioria fica para trás porque esbarra no gargalo da necessidade de qualificação. A tese é reforçada por especialistas e pelo mercado.

De acordo com a Setrab, a cada vaga disponível no mercado do DF, três candidatos que se encaixam nos requisitos exigidos são encaminhados. Ainda assim, a população não tem conseguido passar pelo crivo dos empregadores. O secretário de Trabalho, Glauco Rojas, afirma que o problema não é exclusivo do Distrito Federal. ¿Hoje a falta de qualificação é um problema estrutural¿, afirma.

O secretário diz que, apesar de a questão ser uma mazela nacional, acredita que o DF encontra-se em desvantagem em comparação a outras unidades da Federação. ¿A questão nunca foi tratada como estratégica aqui. Somente ocorreram ações pontuais. Brasília jamais executou, por exemplo, o ProJovem, um programa federal que oferece educação e capacita os jovens para o mercado de trabalho¿, declara Glauco Rojas. A reportagem entrou em contato com o Ministério do Trabalho para obter números nacionais acerca das contratações via agências do trabalhador, mas, até o fechamento dessa matéria, o órgão não havia encaminhado os dados solicitados.

Jorge Pinho, professor do curso de administração da Universidade de Brasília (UnB) especialista em marketing, recursos humanos e estratégia, concorda com a avaliação da Secretaria de Trabalho de que a falta de capacitação não se restringe ao cenário local. ¿Emprego existe. As agências encaminham o candidato, porque, teoricamente, ele preencheu as exigências formais. Mas o fato de ele voltar da entrevista significa que alguns requisitos reais não foram atendidos. O que está por trás disso é má-formação escolar e falta de conhecimento técnico. O Brasil não tem escolas técnicas, há um vazio muito grande¿, analisa.

Tarefa difícil O professor destaca que a carência de centros de especialização técnica caracterizou o país da década de 1980 até anos recentes. ¿Abandonou-se o ensino técnico no país após os anos 1970, quando o crescimento estava a pleno vapor. Veio a recessão. Somente em meados de 2005, esse tipo de educação foi retomado. É um ensino difícil, caro e complexo. A iniciativa privada não tem interesse, e o governo não supre a necessidade¿, explica.

Pinho acredita que dificilmente os esforços que vêm sendo feitos pelo governo federal, a fim de qualificar trabalhadores para a Copa do Mundo de 2014, darão os resultados esperados. ¿Acho muito difícil que a qualificação dessas pessoas ocorra em tempo hábil. Quando você tem defasagem na qualidade, do segundo grau e do ensino técnico, a capacitação será afetada por questões conjunturais¿, diz.

O DF lançará em abril, na semana das comemorações dos 51 anos de Brasília, seu próprio programa de qualificação direcionado à Copa de 2014. Existem cursos em andamento no país coordenados pelo Ministério do Turismo. O secretário de Trabalho, Glauco Rojas, afirma que o projeto local será bem-sucedido porque iniciará suas ações quatro anos, e não seis meses antes do evento. Ele argumenta ainda que todo o setor produtivo foi ouvido em uma reunião em fevereiro. ¿Estamos sincronizados com as carências.¿

Rojas promete também a implantação do ProJovem no DF, e a utilização da estrutura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB) para qualificar trabalhadores gratuitamente ou a baixos preços.

Batalha Para Ana Joaquina do Nascimento, 44 anos, a busca pelo trabalho é uma batalha diária. Desempregada há três meses, ela não cursou o ensino fundamental até o fim, e por isso só consegue encontrar empregos que exijam habilidades básicas. Já foi auxiliar de limpeza e garçonete. ¿O que aparecer está bom para mim¿, resigna-se ela, que está sobrevivendo com o seguro-desemprego e com o auxílio de parentes.

O último trabalho de Ana Joaquina foi como auxiliar de limpeza de uma empresa cujos serviços eram terceirizados por um órgão público. Enquanto ela aguarda uma vaga, sobram empregos em áreas como informática e construção civil, que estão entre as mais carentes de pessoal qualificado no DF.

Daniel Alencar da Silva, 19 anos, está em uma situação um pouco melhor do que a de Ana Joaquina. Vindo de Açailândia (MA) em busca de mais oportunidades no DF, muniu-se de cursos de qualificação gratuitos, via internet. ¿Formei-me em competência em vendas; atendimento ao cliente; auxiliar de escritório e gestão empresarial¿, conta o jovem.

Ele atribui às capacitações e à sua desenvoltura nas entrevistas os empregos que conseguiu como conferente, estoquista e vendedor de supermercados e lojas. Desempregado há um mês, ele arrepende-se de ter deixado por vontade própria o último trabalho. ¿Saí para ganhar mais, só que sem carteira assinada. Depois, vi que era fria. Agora estou na luta de novo¿, afirma. Daniel diz que, se tivesse dinheiro, investiria em umbom curso de informática. ¿Para mim, é a área mais promissora.¿