Título: Liberação de verbas beneficia o agronegócio
Autor: Bruno,Raphael
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/05/2009, Brasil, p. A10

Brasília, 18 de Maio de 2009 - Criticado pelos produtores rurais pela tolerância com que lida com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pela falta de uma política de apoio mais incisiva como as que são destinadas a outros setores e, principalmente, pela legislação ambiental, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido, no entanto, generoso no que diz respeito ao repasse e direcionamento de recursos públicos para o agronegócio brasileiro: levando-se em conta investimentos da administração direta - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e operações de crédito subsidiadas de bancos estatais - Banco do Brasil e BNDES -, o governo já repassou para o setor, desde 2003, R$ 106,1 bilhões (confira quadro). O valor equivale a mais de dez vezes o orçamento de R$ 11,4 bilhões previsto para o programa Bolsa Família em 2009, duas vezes e meia o orçamento de R$ 41,6 bilhões do Ministério da Educação e é 78,3% superior ao orçamento do Ministério da Saúde. O montante representa, também, 133% a mais do que os R$ 45,46 bilhões destinados pelo governo, no mesmo período, para a agricultura familiar e reforma agrária.

Comparados apenas os repasses da administração direta, ou seja, dos ministérios, o embate entre agronegócio e reforma agrária pelos recursos públicos é mais equilibrado. De acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) levantados pela ONG Contas Abertas a pedido destejornal, embora o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tenha obtido, desde 2003, orçamentos sistematicamente maiores que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), boa parte do dinheiro repassado para o órgão é utilizado para cobrir despesas que não estão relacionadas diretamente a políticas de incentivo à produção rural, como gastos com custeio, pagamento de salários a servidores ativos e aposentadorias a inativos, contribuições para a formação do superávit primário - a economia feita pelo governo para arcar com os custos da dívida pública - e formação de estoques públicos de alimento. Excluídos esses e outros gastos semelhantes, foram, desde 2003, R$ 11,87 bilhões destinados pelo ministério para o incentivo de diversos setores da produção agrícola.

Reforma agráriaJá o Ministério do Desenvolvimento Agrário, embora conte com um volume menor de recursos, direcionou praticamente tudo que recebeu no governo Lula para a reforma agrária, seja por meio de obtenção de imóveis rurais, concessão de crédito ou assistência técnica para as famílias assentadas. Os gastos inferiores com a burocracia e as contribuições mais modestas para o superávit permitiram ao ministério injetar, desde 2003, R$ 15,35 bilhões na reforma agrária e agricultura familiar. Ainda adotando o critério de excluir da conta os gastos que não dizem respeito a políticas de impacto direto em uma ou outra área, somente no primeiro ano do primeiro mandato de Lula, em 2003, e no ano passado, em 2008, os incentivos do Ministério da Agricultura superaram os do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

É, contudo, quando os bancos estatais entram em cena que a balança pende, e muito, a favor do agronegócio. O Banco do Brasil, por exemplo, destinou, em operações de crédito subsidiadas, R$ 89,85 bilhões para o agronegócio desde 2003, quantia 211,9% superior aos R$ 28,8 bilhões que emprestou para a agricultura familiar. A cada R$ 4 de crédito que o banco direcionou para o campo, R$ 3 foram para o agronegócio e R$ 1 para a agricultura familiar.

Cerca de 28% de toda a carteira de crédito do banco em 2008 foi destinada ao agronegócio. A taxa de juros do crédito subsidiado gira em torno dos 6,75% ao ano para produtores de médio e grande porte. O dinheiro é utilizado para aquisição de sementes, gastos com preparo da terra e despesas com fertilizantes, colheita e plantio. A produção de soja é a que abocanha a maior parte dos recursos de empréstimos, em torno de 30%.

No BNDES, a maior parte dos empréstimos rurais são concedidos a pessoas físicas, o que dificulta identificar com precisão o perfil de quem pede o empréstimo. Entre o crédito concedido para empresas, no entanto, o volume que beneficiou produtores de médio e grande porte é 234% maior do que o destinado a micro e pequenos empreendimentos rurais. Foram R$ 4,38 bilhões direcionados para o agronegócio desde 2003. Ao longo do governo Lula, a diferença entre o que foi emprestado para grandes e médios produtores e micro e pequenos foi aumentando, de R$ 300 milhões, em 2003, para o R$ 1,22 bilhão em 2008, quando os grandes e médios levaram 85% dos recursos que o banco estatal aportou para o campo.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(Raphael Bruno)