Título: Aos poucos, inversão do perfil de investimentos
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/05/2009, Brasil, p. A10

18 de Maio de 2009 - A priorização dada ao agronegócio pelo governo em detrimento da agricultura familiar e reforma agrária não é, atualmente, a mesma de 2003. A análise das variações nos repasses do governo para as duas áreas ano a ano revela um cenário distinto do que aquele desenhado pelo balanço geral desses seis anos e quatro meses de governo Lula: ao ampliar o volume de repasses para a agricultura familiar e reforma agrária num ritmo maior do que o do agronegócio, o governo gradualmente vem alterando o perfil de investimentos públicos no campo.

Em 2005, os repasses do Ministério da Agricultura e as operações de crédito subsidiadas de Banco do Brasil e BNDES para o agronegócio foi de R$ 21,51 bilhões. Em 2008, esse valor foi de R$ 24,9 bilhões - aumento de 15,76%. No mesmo período, o salto dos recursos direcionados para a agricultura familiar e reforma agrária foi maior, de 26,93%, saindo dos R$ 7,09 bilhões, entre repasses do Ministério do Desenvolvimento Agrário e operações de crédito do Banco do Brasil e do BNDES, em 2005, para os R$ 9 bilhões de 2008.

No Banco do Brasil, a diferença nas evoluções dos repasses é ainda maior. Na safra que se encerrou em 2005, a instituição destinou R$ 4,23 bilhões em crédito para a agricultura familiar. Em 2008, foram R$ 7,84 bilhões, um crescimento de 85,3% em relação a quatro anos antes. No mesmo período, o crescimento dos recursos direcionados ao agronegócio foi de apenas 4,23%, saindo de um patamar de R$ 19,34 bilhões para os R$ 20,16 bilhões emprestados em 2008.

"A tendência é de que os créditos para a agricultura familiar aumentem mais do que os do agronegócio, porque, enquanto o empreedimento maior pode estar chegando aos seus limites, a agricultura familiar tem absorvido cada vez mais tecnologia, explorando cada vez mais o cooperativismo, o associativismo, recebendo melhor assistência técnica para se desenvolver, fatores que darão condições a ela de obter ainda mais acesso ao crédito", explica o diretor de Agronegócios do Banco do Brasil, José Carlos Vaz.

Outro fator que contribui para que a agricultura familiar absorva uma fatia cada vez maior do crédito do banco é a própria regulamentação da concessão de empréstimos para a produção rural. Segundo Vaz, enquanto a instituição pode financiar de 80% a até 100% das necessidades de plantio dos empreendimentos de pequeno porte, fica limitada de 30% a 40% para os grandes.

Os clientes da agricultura familiar já superam em número os do agronegócio: o Banco do Brasil estima atender hoje com sua carteira de crédito 1,5 milhão de clientes da agricultura familiar, contra 300 mil do agronegócio.

A crise econômica internacional também é um dos fatores que, na avaliação tanto de ruralistas quanto de ativistas da reforma agrária, pode contribuir para redirecionar os recursos públicos para a agricultura familiar em detrimento do agronegócio.

"Hoje a crise ameaça o crédito para o agronegócio porque o setor passa a ser visto como um negócio de alto risco. Ele fica submetido a uma variação muito grande, e na maioria das vezes para baixo, nos preços das commodities", avalia o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Valdir Colatto (PMDB-SC). "As condições para mudar a correlação de forças estão aí porque a agricultura familiar é a garantia do abastecimento do mercado interno", completa o ex-presidente do Incra, diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária e coordenador do setorial agrário do PT, Oswaldo Russo. "O que hoje é a base social de Lula exige apoio mais efetivo ao pequeno. O custo da contribuição importante que o grande agronegócio dá para a balança comercial brasileira é muito alto, não compensa no que diz respeito ao meio ambiente, à geração de empregos e, em tempos de crise internacional, à dependência de investimentos estrangeiros. A maioria das grandes empresas do agronegócio são estrangeiras."

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(R.B.)