Título: A vida é dura
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 28/03/2011, Política, p. 4

O cidadão comum, aquele que paga impostos em dia e sonha com um país mais justo, ainda está de ressaca por conta derrubada da Lei da Ficha Limpa. E você que tem paciência de ler este artigo deve achar que estou equivocada ao usar o verbo ¿derrubar¿, afinal, a decisão do Supremo Tribunal Federal não acabou com a lei, apenas disse que o texto passa a valer a partir de 2012, blá-blá-blá. Ok. Vejamos os fatos e a tendência.

Ao mesmo tempo em que o cidadão comum reclamou, não foram poucos os políticos que comemoraram a decisão. Acreditam que Luiz Fux, ao proferir o voto louvando a visão da sociedade de defesa da Ficha Limpa, deixou claro que a intenção de criar a legislação foi boa, mas faltou respaldo no que os juristas chamam de ortodoxia do direito.

Certa vez, o vice-presidente da República, Michel Temer, comentava numa roda de amigos sobre como vê o STF hoje. Um grupo, dizia ele sem citar nomes, está mais voltado à sociologia do direito, ou seja, toma decisões em sintonia com aquilo que a sociedade deseja. Outro grupo, não. Segue com a ortodoxia. Se a lei não agrada à sociedade, o problema é da sociedade. O STF não pode se furtar ao aplicá-la ainda que seja para dar posse a quem não tem lá uma ficha muito limpa.

Por tudo o que vimos até agora nos julgamentos recentes, a divisão continuará prevalecendo, ora dando a vitória para um lado, ora para o outro. Ocorre que, em termos de Ficha Limpa, o segundo grupo parece ter mais peso no que vem por aí.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai levar ao Supremo uma ação para saber que artigos da lei são constitucionais. E já não são poucos os advogados que declaram com todas as letras que o direito de se candidatar é livre, até mesmo para quem sofreu alguma condenação judicial por colegiado. Afinal, se couber recurso a essa condenação, o sujeito pode ser inocentado.

Vejamos a questão da renúncia, em que o sujeito deixa o mandato para escapar de um processo de cassação. Ora, a letra fria da lei diz que renúncia é um ato unilateral que pode ser tomada a qualquer tempo. Diante disso, a renúncia não pode se configurar como um ato para impedir futuras candidaturas. Pelo menos assim pensam muitos advogados de excelências enroscadas na Ficha Limpa. E também alguns ministros do STF.

Por essas e outras, o futuro da Ficha Llimpa é incerto e duvidoso. Como diria o cantor Cazuza, ¿eu vejo grana, eu vejo dor¿. Grana nas mãos dos advogados e dor de cabeça para quem apostou na Ficha Limpa como a esperança para tirar uns enrolados de cena.

Enquanto isso, no Congresso¿ Estão todos de olho na ¿volta dos que não foram¿, ou seja, daqueles senadores barrados pela Ficha Limpa e que agora podem, num futuro próximo, assumir os mandatos. Para felicidade dos que apoiaram a legislação, apesar da vitória na Justiça, haverá no Senado dois grupos: os eleitos diretamente, sem problemas, e os ¿fichas sujas¿, que tomaram posse mais tarde. O dia a dia dessa segunda categoria não será fácil.

Quanto a você, leitor, se quiser a Lei da Ficha Limpa, é bom se preparar para tomar sol na frente do STF e do Congresso no futuro próximo. Chamou a atenção a apatia da população que, depois de reunir um milhão de assinaturas e propor a Lei da Ficha Limpa, não se mobilizou para fazer valer o que foi aprovado. Semana passada, por exemplo, a manifestação na porta do STF era por salário, não em defesa da legislação que passava por uma prova de fogo no plenário. Se quiserem que a lei tenha alguma validade, é bom se mexer. Afinal, como costuma dizer a minha amiga Cristiana Lobo, táxi parado não pega passageiro.