Título: Onda verde afoga Merkel
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 28/03/2011, Mundo, p. 13

A euforia irrompeu com a violência de um tsunami nas sedes regionais e na sede federal dos Verdes alemães, pouco depois das 18h (14h em Brasília) de ontem, quando as emissoras de televisão anunciaram as projeções para o resultado das eleições em dois importantes estados do país. Duas semanas depois do terremoto que arrasou o Japão e disparou o alarme da catástrofe nuclear na usina de Fukushima, os eleitores da locomotiva europeia deram uma vitória histórica ao partido que por duas décadas fez oposição intransigente à energia atômica. Pela primeira vez, os Verdes saem das urnas na posição de chefiar um governo estadual na Alemanha ¿ e logo de Baden-Württemberg, sede de multinacionais como a Daimler e a Porsche, por 58 anos uma fortaleza da conservadora União Democrata Cristã (CDU), partido da chanceler (chefe de governo) federal, Angela Merkel.

¿É mudança de era na política¿, anunciou em Berlim uma das dirigentes nacionais do partido ecologista, Claudia Roth, diante de correligionários em êxtase. Com 24,2% dos votos, os Verdes dobraram a votação em Baden Württemberg e superaram o Partido Social Democrata (SPD, que ficou com 23,1%) como segunda força política. A CDU, embora tenha mantido com folga a maior bancada no parlamento regional, com 39%, ficou sem opções para compor uma maioria: seu parceiro de coalizão (também no Congresso Federal), o Partido Liberal Democrata (FDP), mal conseguiu ultrapassar os 5% exigidos para fazer deputados.

¿Vamos festejar e nos alegrar hoje, porque amanhã voltamos ao trabalho¿, discursou Winfried Kretschmann, o contido líder dos Verdes em Stuttgart, capital do estado recém-conquistado. Kretschmann, de 62 anos, começa a semana com a missão de costurar um acordo de coalizão com o SPD, para quem a derrota da CDU saiu como prêmio de consolação. Ambos os grandes partidos, adversários na política federal, amargaram retrocessos: menos cinco pontos para a democracia cristã, menos dois pontos para a social-democracia. E os ecologistas ganharam o status de volkspartei (¿partido popular¿, como são chamadas na Alemanha as legendas com força para governar).

A onda verde contagiou também a Renânia-Palatinado, no sudoeste, outro estado industrial, reduto histórico do SPD, que despencou 10 pontos e perdeu a maioria absoluta no parlamento regional. Com 35,7%, o partido manterá por pouco a vantagem sobre a CDU (35,2%), mas terá de negociar uma coalizão com os Verdes, que romperam a marca dos 15% e triplicaram sua votação. O FDP, com 4,2%, ficou sem representação.

Prêmio à coerência Não por acaso, a noite da consagração para os Verdes veio no dia seguinte da maior manifestação na história da Alemanha contra a energia nuclear. Mais de 250 mil manifestantes saíram às ruas das principais cidades para condenar o ziguezague da chanceler: no fim de 2010, depois de conquistar o segundo mandato e trocar o SPD pelo FDP como parceiro de governo, Angela Merkel anunciou planos para prorrogar por mais 12 anos o funcionamento dos 17 reatores do país ¿ quatro deles funcionam em Baden-Württemberg, cujo governador foi entusiasta da medida. Diante dos temores provocados pelo acidente em Fukushima, Merkel engavetou a proposta de prorrogação.

¿Essas eleições mostram que os Verdes têm algo que falta aos demais partidos: um perfil claro¿, analisava em sua edição on-line a revista semanal Der Spiegel. ¿Eles transmitem credibilidade e incorporam uma visão consistente.¿ Embalados, os ecologistas já sonham com uma repetição da façanha em setembro, quando será a vez de renovar o governo de Berlim: na capital federal, eles foram a legenda mais votada na eleição nacional de 2010.