Título: Eleição de 2010 deverá ser fraca em propostas
Autor: Lavoratti,Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/05/2009, Brasil, p. A10

São Paulo, 25 de Maio de 2009 - Se a bandeira de campanha presidencial de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso se elegeu, foi a estabilidade da moeda, assim como a de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, foi o resgate da dívida social brasileira, qual será a grande bandeira eleitoral de 2010? Pelo que se ouviu até agora dos principais candidatos, é possível concluir que a próxima corrida eleitoral deverá ser pobre em termos de propostas.

As últimas semanas têm sido marcadas pela intensificação do debate em torno das candidaturas presidenciais de 2010. Há tempos se sabe que é uma disputa entre PT e PSDB, e que a hipótese de um terceiro nome vencer a eleição do ano que vem existe, mas é remota. O anúncio da doença da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e as movimentações em torno dos nomes dos tucanos Aécio Neves e José Serra - governadores de Minas e São Paulo, respectivamente - , até com a notícia, depois desmentida, de um acordo entre ambos, movimentaram e têm precipitado cada vez mais as articulações em torno do pleito do próximo ano, com desdobramentos inclusive nos arranjos para as sucessões estaduais.

Fora as especulações em torno de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que negou essa pretensão durante a última semana -, a discussão, pelo menos até agora, girou em torno de nomes e de suas viabilidades eleitorais. "Propostas de governo, até aqui, praticamente inexistem. É natural que inexistam faltando ainda mais de um ano para a eleição, mas há exatos quatro anos ocorria o mesmo e em 2006, no embate entre Lula e Alckmin, situação e oposição apresentaram ao eleitorado dois programas de governo que eram um apanhado de generalidades", afirma Wagner Iglecias, doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP).

Generalidades

Não está totalmente descartado que no próximo ano isso se repita. "Os governistas falam numa genérica continuidade do projeto levado a cabo durante os dois mandatos de Lula. De parte da oposição, até o momento, só mesmo a vaga idéia do `pós-Lula¿, levantada há algum tempo por Aécio Neves, e, de vez em quando, uma ou outra crítica comedida de José Serra à política econômica", analisa o acadêmico. Segundo ele, não há "nada de muito surpreendente" na fala de Aécio em relação ao "pós-Lula". "Afinal, quem vier a ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2011 não deverá ser imprudente a ponto de retirar algumas das conquistas que o atual governo promoveu, sobretudo para as camadas menos favorecidas da sociedade, assim como Lula não pestanejou em manter alguns dos pilares da política econômica que herdou de FHC", ressalta.

Na avaliação de Iglecias, também não são surpreendentes as esparsas críticas que Serra faz à condução da economia. "Não é nenhuma novidade que o governador de São Paulo e presidenciável tucano se opõe à política econômica que vem sendo adotada no Brasil nos últimos quinze anos, pelo menos", lembra o professor da USP. Detalhe: período esse que inclui os dois mandatos de FHC, do mesmo PSDB.

Depois de 1994 - quando FHC ganhou o eleitorado com a bandeira da estabilidade da moeda - e de Lula, que em 2002 virou o jogo com a promessa de resgatar a dívida social brasileira, o que vai dar voto em 2010? Na opinião de Iglecias, a manutenção das políticas públicas que têm dado certo, pequenas correções de rumo aqui e ali e o apoio de Lula, por certo, constituirão o discurso do candidato ou da candidatura situacionista. "Já pelo lado da oposição, o que virá? É dela que se deve esperar novas idéias para o País. Afinal, vivemos nos anos recentes a pax lulista, com bons índices de crescimento econômico, incorporação de vastas parcelas da população mais pobre aos circuitos de consumo, (auto)enfraquecimento do Legislativo e relativa docilidade dos movimentos sociais. Mas as ambições do País devem parar por aí?", comenta.

Convencimento

Ainda de acordo com Iglecias, uma questão é o que a oposição precisará apresentar ao eleitorado para convencê-lo de que pode governar melhor do que Lula tem feito. "Apostará na crítica de cunho moral e no denuncismo do mau uso da coisa pública, como fez durante a crise do mensalão em 2005 e na campanha presidencial de 2006? Apresentará uma visão alternativa do papel do Estado, distinta desta espécie de neo-desenvolvimentismo levado a cabo por Lula, e reconhecerá que aposta mais nas forças de mercado e num Estado menos interventor e mais regulador, novas privatizações ai incluídas, eventualmente? Dirá que, ao contrário de Lula e do petismo, não nutre muita simpatia pelos governos de esquerda e/ou populistas de alguns dos nossos vizinhos da América do Sul? Proporá uma política externa diferente desta que vem sendo conduzida pelo Itamaraty, menos focada nas relações Sul-Sul e mais voltada ao estreitamento de laços com os países mais ricos? Defenderá um redesenho da máquina pública e das práticas de governança das empresas estatais? Apostará no aumento da terceirização dos serviços típicos de Estado?", questiona.

Iglecias acredita que quem conduzir a grande bandeira de 2010 e estabelecer os termos do debate deverá ter mais chances de vencer. Foi assim inclusive em 1998 e 2006, quando FHC e Lula, respectivamente, obtiveram a reeleição. "Dilma, se candidata, deverá propor a continuidade. Aécio ou Serra terão de propor mudanças. Pelo que se viu até aqui, talvez 2010 seja uma eleição pobre em termos de propostas. O que é sempre benéfico para quem já está no poder", conclui o acadêmico.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 10)(Liliana Lavoratti)