Título: Uma despedida democrática
Autor: Pariz, Tiago; Iunes, Ivan; Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 31/03/2011, Política, p. 2/3

Cerimônia fúnebre no Palácio do Planalto reúne 6 mil pessoas e conta com a presença de políticos, inclusive da oposição, e de representantes do Legislativo e do Judiciário. Velório teve todas as honras de chefe de Estado

Com Rosana Hessel

Brasília e São Paulo ¿ A despedida do ex-vice-presidente José Alencar de Brasília reuniu autoridades de todos os partidos, pelo menos 6 mil pessoas e militares das três Forças Armadas. Todos em torno de um clima de pacificação democrática típica do empreendedor mineiro que construiu unanimidade na classe política e atravessou oito anos de governo sem atritos ou inimizades.

A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornaram às pressas de Portugal (leia mais na página 3) para acompanhar a cerimônia fúnebre, ao lado de ministros das últimas três gestões, e de governadores de partidos aliados e de oposição ao Palácio do Planalto, entre eles o do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT); de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB); de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB); de Sergipe, Marcelo Déda (PT); de Tocantins, Siqueira Campos (PSDB); e do Ceará, Cid Gomes (PSB).

A tranquilidade, cobrada insistentemente pelo condutor do cerimonial, pedindo o máximo de silêncio que o momento exigia, foi abalada em apenas três momentos. O primeiro, às 13h, quando um cadete da Marinha, que guardava o corpo do ex-vice, desmaiou e teve de ser socorrido por assessores. O segundo, logo na abertura da visitação pública, quando uma antiga servidora do governo Lula burlou a segurança e conseguiu abraçar familiares de Alencar. O último, quando uma visitante gritou a um metro do caixão: ¿Você é o meu equilíbrio¿.

O caixão com corpo do ex-vice, coberto pela Bandeira Brasileira, adentrou o Palácio do Planalto às 11h06 e levou quatro minutos para ser aberto. O núncio apostólico Lorenzo Baldissieri, espécie de embaixador do Vaticano no Brasil, iniciou a missa, que durou cerca de uma hora, às 11h30. A viúva Mariza Gomes Silva permaneceu sempre de óculos escuros, não escondendo a tristeza do momento. Fora do eixo familiar de Alencar, um dos mais ativos participantes do ato religioso foi o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que entoou todos os cantos da missa. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, o segundo das autoridades do governo a prestar sua homenagem ao lado do caixão, deu um beijo de despedida na testa do antigo vice. Um ato de respeito por um político considerado pelo ex-ministro José Dirceu como mais à esquerda do que muitos petistas.

O velório foi carregado de simbolismos dignos da honra de chefe de Estado. A última vez que o Palácio do Planalto recebeu um funeral parecido com o de ontem ocorreu há 26 anos na morte de Tancredo Neves, em 1985. Em Brasília, as homenagens começaram quando o corpo chegou à Base Aérea às 10h, transportado por um avião CASA da Força Aérea Brasileira (FAB). Os nove familiares chegaram de São Paulo meia hora antes, em um C-99. Mariza Gomes desceu da aeronave de mãos dadas com o filho Josué, escoltado pelas filhas Patrícia e Maria da Graça, a nora Cristina e os netos Bárbara, Josué, Ricardo e Davi. Foram recepcionados pelo vice-presidente da República, Michel Temer; os presidentes do Senado, José Sarney; da Câmara, Marco Maia; o ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto; o governador Agnelo Queiroz e parlamentares da base aliada.

Em seguida, o caixão com o corpo de Alencar seguiu para o Planalto em um caminhão do Corpo de Bombeiros. A urna subiu a rampa do Planalto e foi recebida com aplausos pelas autoridades presentes no velório.

Capela Quem fez uma pausa no trabalho e desceu para ver o cortejo lamentou a rapidez do adeus. ¿Foi muito rápido, não deu para a gente ter um momento mais solene. Era um homem público de quem nunca ouvi falar nada de errado¿, comentou Zilda Cassiano Gil, 63 anos, funcionária do Ministério do Planejamento.

O empresário Jorge Gerdau ecoou a posição da servidora . ¿O José Alencar foi um exemplo em todos os sentidos. Não só na vida empresarial, mas também na política. Dificilmente alguém vai conseguir substituí-lo¿, afirmou;

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) destacou a alegria de viver do mineiro. ¿O Alencar foi um homem público diferenciado. Seu vigor e a obstinada luta pela vida, sua alegria de viver são todos muito marcantes¿, disse.

A família teve um momento mais tranquilo para se despedir do patriarca somente em São Paulo, na capela do Hospital Sírio Libanês, de onde partiu para o Aeroporto de Congonhas em direção a Brasília às 7h05. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi um dos primeiros a chegar à capela, por volta das 6h15. Ele disse que Alencar é um exemplo de lealdade aos princípios e de luta pela vida. ¿O Zé era um mineiro que amava muito São Paulo, que lembrava sempre que era um paulista de Muriaé, cidade mineira em que ele nasceu¿, disse o governador. Hoje, haverá velório no Palácio da Liberdade, em Minas Gerais. E, às 14h, está prevista a cerimônia de cremação de acordo com o último desejo de Alencar.

Colaboraram Alana Rizzo, Vinicius Sassine, Larissa Leite, Ullisses Campbell e Naira Trindade