Título: O derradeiro serviço público de José Alencar
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Fonte: Correio Braziliense, 31/03/2011, Opinião, p. 24

Visão do Correio

Ainda que a tenha perdido, a luta de José Alencar contra o câncer não foi vã. Primeiro, não se pode esquecer de que a doença não o impediu de tocar a vida, de forma profícua, por mais de 13 anos, período em que entrou para a história. Já no ano seguinte ao diagnóstico, em 1998, o empresário bem-sucedido enfrentou uma eleição ao Senado por Minas Gerais se elegendo com quase 3 milhões de votos. Depois disso, foi duas vezes vice-presidente da República. Nos dois mandatos, exerceu por 436 dias o cargo mais importante da nação, somando-se as vezes em que substituiu Lula entre 2003 e 2010.

Os ganhos, contudo, vão além da vida íntima, do círculo pessoal, familiar e de relações políticas e profissionais do ex-vice-presidente da República. A imagem do guerreiro que jamais se entregou é exemplo para todos os que sofrem com um câncer, seja direta ou indiretamente, no Brasil ou alhures. Quantas vezes Alencar foi internado, não raro em UTI, e logo apareceu rindo, conversando, até despachando com assessores e autoridades? Quantas vezes foi fotografado e filmado, francamente sorridente, à saída do hospital? Quantas vezes declarou seu otimismo desconcertante, embora realista, quando tudo parecia ¿ mas não estava ¿ perdido?

Tal comportamento é lição de vida. E de alto potencial didático se tornado público por uma celebridade. O ex-vice-presidente deu importante contribuição para apagar o estigma do câncer como sinônimo de morte. Não foi o primeiro a fazê-lo. No mesmo ano em que Alencar recebia seu diagnóstico, 1997, outro mineiro e brasileiro ilustre chegava ao fim, após 23 anos de luta. Também sem jamais se entregar, o montes-clarense Darcy Ribeiro, cuja biografia já era ampla, ainda teve força para ajudar a fundar um partido político, o PDT, se eleger vice-governador e depois senador da República, no Rio de Janeiro, assumir secretarias de Estado, defender suas ideias mesmo em cadeira de rodas, escrever livro, entrar para a Academia Brasileira de Letras.

Afastar o medo que doenças provocam, manter o ânimo elevado, é fundamental para o tratamento. O resultado pode ser a cura ou uma sobrevida mais longa e de melhor qualidade. Ao contrário, uma reação negativa pode até levar alguém a não procurar o médico em caso de suspeita, retardando o diagnóstico e eliminando possibilidades de recuperação. É sabido que, quanto mais precocemente o mal é descoberto, maiores são as chances de cura. Portanto, José Alencar chegou ao fim prestando mais um serviço público de qualidade. Não se envergar diante das intempéries é a melhor forma de enfrentá-las.