Título: Uma revolução para...(pág. A-7)
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/09/2004, Primeira Página, p. A-1

As regras propostas pelo conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Luiz Alberto Esteves Scaloppe, seriam responsáveis pela inexistência de processos pendentes em seu gabinete. "Isso aqui me deu um pouco de paixão. Para minha infelicidade, os outros conselheiros não implementaram", asseverou o conselheiro.

O fato é que há algumas divergências na relação entre Scaloppe e os demais integrantes do Cade. São várias as razões para o racha no relacionamento. A principal delas seria a polêmica em torno do substituto imediato da presidente do Cade, Elizabeth Farina, impedida de participar de diversos julgamentos a serem realizados, inclusive o que envolve a multinacional suíça.

No primeiro semestre, os conselheiros decidiram, por unanimidade, que tal função seria de Scaloppe, o mais antigo no órgão, levando-se em consideração apenas o mandato em curso. Em agosto, depois da substituição de vários conselheiros cujos mandatos expiraram em junho, o Cade entendeu que o substituto de Elizabeth Farina não era mais Scaloppe, e sim o conselheiro Roberto Pfeiffer, que exerce o segundo mandato no órgão. O segundo mandato foi recém iniciado. A nova decisão foi contestada na Justiça pelo Ministério Público (MP).

Julgamento

O julgamento de primeira instância foi favorável ao conselheiro Scaloppe. Mas o Tribunal Regional Federal (TRF) da Primeira Região cassou a liminar favorável a ele. "Eu cheguei meia hora atrasado na primeira sessão do novo conselho, e eles já haviam me destituído", disse Scaloppe. O presidente tem a prerrogativa do voto de desempate nos processos. "Por que os conselheiros foram ao TRF para me cassar? Ninguém tem peito e coragem para falar na minha frente ou de público por que não posso presidir, não posso ter o voto de qualidade", declarou, recusando-se a responder à própria pergunta.

Uma análise corrente no Cade dá conta de que Scaloppe pretendia, ao obter o título de mais antigo no órgão, garantir o poder de desempatar o caso da compra da Garoto pela Nestlé. Seria o primeiro passo nesse sentido. O outro seria a convocação de uma audiência pública, realizada em 2 de setembro em Vila Velha (ES), para discutir o caso. Conselheiros temiam que o encontro reabrisse a instrução do processo e anulasse o voto do ex-relator, conselheiro Thompson Andrade, contrário à operação.

Se isso ocorresse, seis conselheiros teriam o direito de votar no pedido de reconsideração apresentado pela multinacional suíça, e não cinco, o que abriria margem para um empate e para o voto de minerva. "Isso é uma balela, uma desculpa para justificar o medo do novo", afirmou Scaloppe. De acordo com ele, o despacho submetido ao plenário pedindo autorização para realização da audiência deixava claro que não se tratava de reabertura de instrução e que o voto de Andrade seria mantido.

Audiência pública

"Todas essas argumentações foram feitas de afogadilho, muito mais impulsionadas por forças externas", afirmou Scaloppe. Aprovada por maioria de votos, a audiência foi realizada sem a presença de qualquer outro conselheiro do tribunal da concorrência. Para Scaloppe, o mecanismo deveria ser utilizado com mais freqüência, para que o Cade deixe a frieza dos gabinetes e entre um pouco em contato com o mundo real. "A questão é um pouco de falta de vivência, de mentalidade, de preconceito e de postura política, para (me) limpar do terreno", asseverou Scaloppe.

"Tenho certeza de que outros farão audiências públicas e eu apoiarei, sem cobrar (paternidade da idéia), porque a construção é para a sociedade", disse o conselheiro. Apesar das divergências com os colegas, que o fizeram pensar em desistir do mandato, Scaloppe mostrou-se confiante em mudar o Cade. "Eu vim ao mundo nessa encarnação, nessa geração, para mudar as coisas, é a minha missão", filosofou. "Eu tenho a esperança de que eles, que vieram um pouco armados, combatendo até uma audiência pública e a antiguidade, aprendam a distinguir as coisas", arrematou Scaloppe.

kicker: Audiência pública no ES foi realizada sem a presença de qualquer outro conselheiro