Título: Mais realismo na meta de inflação para 2005
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/09/2004, Opinião, p. A-3

A decisão do governo de elevar a meta do superávit primário deste ano - de 4,25% do Produto Interno Bruto para 4,5% - representa um aperto fiscal ainda maior do que o fixado na meta para 2004, embora na prática consolide o já realizado, pois o resultado obtido entre janeiro e julho, de R$ 46,18 bilhões, superou a meta em R$ 13,58 bilhões - elevando o superávit a 5,59% do PIB. Nos doze meses encerrados em julho, o resultado da receita menos despesa, exceto gastos com juros da dívida pública, também supera a meta de 2004, tendo correspondido a 4,6% do PIB.

Segundo explicou o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ao anunciar a decisão, o aperto fiscal maior será possível diante do crescimento da arrecadação tributária, acima do previsto, de R$ 4,2 bilhões. Assim, esses recursos excedentários, não previstos no orçamento, deixarão de ser gastos em investimentos e serão utilizados para abater a dívida pública. Mais propriamente, deverão contribuir para neutralizar o efeito sobre o déficit e a dívida do setor público resultante do aumento pelo Banco Central da taxa básica de juros Selic, na semana passada, de 16% para 16, 25%. Um aperto ainda mais intenso na política fiscal, ao barrar a expansão do gasto público, tem como objetivo produzir um efeito congruente com a elevação da taxa de juros, visado pela política monetária para conter o consumo e o investimento, atingindo-se dessa forma todos os componentes da demanda agregada. Política monetária e política fiscal dão-se as mãos na estratégia do governo de afugentar o que diagnostica como risco de aceleração da inflação resultante do aquecimento da demanda.

Do lado político, a opção de recorrer ao aperto fiscal, como recurso coadjuvante na escalada preventiva de desaquecimento dos negócios, pode ser interpretada como expediente do governo para reduzir a intensidade da pressão social pré-Copom, à qual se referiu o presidente Lula, uma vez que a contenção do gasto público poderá contribuir para atenuar a compulsão do Banco Central pelo aumento da taxa básica de juros, como instrumento de contenção da inflação dentro da meta.

Do lado da economia real, já eram visíveis os sinais de desconforto, impaciência e exacerbação diante da insistência do Banco Central em retomar a trajetória de elevação dos juros, em vez de se rever a meta inflacionária estabelecida para 2005, considerada excessivamente ambiciosa por uma plêiade de economistas de todos os matizes. Assim como ocorreu no passado, com a revisão do sistema de metas de inflação, não há razão para a autoridade monetária manter-se inflexível diante da evolução dos fatos, na tentativa de dobrá-los, quixotescamente, no lugar de se render a eles. É crescente o consenso de que as metas do atual regime estão travando o crescimento, ao induzir o Banco Central a promover elevação da taxa de juros básica em descompasso com a taxa de inflação prevista. É generalizada a percepção de que a ação da autoridade monetária tem-se caracterizado no governo Lula por um excesso de cautela, no esforço de consolidar a sua credibilidade e melhorar a percepção do risco-país. No dizer do deputado e ex-ministro Delfim Netto, "o Banco Central recebeu uma missão irracional quando o Conselho Monetário Nacional fixou metas ambiciosas para 2004 e 2005".

Felizmente, os clamores da sociedade produtiva parecem ter chegado aos ouvidos dos redatores da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) referente à sua reunião de setembro. Pois ali se anuncia, como novidade maior detectada pelos analistas, que a autoridade monetária dispõe-se a rever a meta de inflação estabelecida para 2005.

Segundo estimativas do Copom, a diferença entre o resultado esperado da inflação de 2004 em relação à meta deve gerar uma inércia inflacionária de cerca de 0,9 ponto percentual. Diante disso, propõe-se acomodar 0,6 ponto percentual dessa inércia em 2005, o que se traduz no seguinte. Em vez de visar ao ponto central da meta de inflação em 2005, de 4,5%, o Copom passaria a mirar em 5,1%.

Mas apesar da elevação do centro da meta, o teto permaneceria em 7%, como estabelecido anteriormente. Em contrapartida, o documento adverte que, para compensar a elevação do grau de tolerância, o Copom será menos tolerante em relação a qualquer choque adicional que possa comprometer a expectativa da inflação no próximo ano.

Embora operadores do mercado financeiro denunciem a eventual mudança como arriscada, ante a possibilidade de perda de credibilidade por parte do Banco Central, é de observar que ela se justifica, por ser mais aderente à realidade. kicker: A decisão do governo de elevar o superávit primário vem acompanhada da revisão da meta de inflação para 2005