Título: "Mais autonomia ao setor produtivo"
Autor: Otto Filgueiras
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/09/2004, Nacional, p. A-5

Novo presidente da Fiesp combate os juros altos, mas não pretende "peitar" o setor financeiro. Crítico da política de juros altos do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que segundo ele "se reúne com a única missão de defender a moeda e dita o futuro de todos nós", o novo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, empossado ontem, diz que só existe "a autoridade monetária no Brasil" e, por isso, quer criar "a autoridade produtiva para defender a indústria e a quem produz". O novo presidente da Fiesp afirma, no entanto, que não pretende "peitar" o setor financeiro, embora defenda mais autonomia do setor produtivo, e diz que "o país todo não pode ficar à mercê das decisões da autoridade monetária".

Filho do imigrante libanês José Antoine Skaf, que mudou-se para o Brasil aos 16 anos, em 1937, e se naturalizou brasileiro, o industrial Paulo Skaf, de 49 anos, é casado com Luzia e pai cinco filhos varões. Nascido na capital paulista e criado no bairro da Vila Mariana, depois no Jardim América, e morando no Morumbi desde que se casou, em 1978, Paulo Skaf estudou na Faculdade de Administração de Empresas na Universidade Mackenzie. Ele passou metade da vida trabalhando na Tecelagem Skaf e diz que aprendeu com o pai, hoje com 83 anos. Conta que também começou do zero, trabalhou no comércio e depois na indústria.

Segundo Skaf, com ele a Fiesp "vai mudar", e "mais do que críticas, nós precisamos buscar soluções e resultados". E para isso, diz ele, "temos que estar unidos, trazer a indústria para participar, porque, ao longo desses anos, a empresa grande vem tocando por si própria sem contar com a Fiesp, a empresa pequena entende que a Fiesp é casa para o grande e assim falta maior envolvimento por parte das indústrias". A seguir os principais trechos da entrevista.

Gazeta Mercantil - Como o senhor se tornou dirigente de entidades empresariais, no Sindicato da Indústria Têxtil?

Sempre tive um gostinho pela política, não partidária. No tempo do Colégio Santo Américo fui presidente por quase 10 anos do Clube de Classe, depois, quando fiz o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR), no quartel do Exército na avenida Alfredo Pujol, em Santana, fui presidente do grêmio da Infantaria. Mais tarde, fui presidente do grêmio geral no quartel. Embora tenha ficado afastado dessas questões políticas e institucionais no período que estudava a noite e trabalhava de dia, me casei cedo, com 23 anos. Um dia, o destino me fez vir ao Sindicato da Indústria Têxtil, havia mudança de diretoria e acabei sendo convidado para participar, era o mascote da turma.

Gazeta Mercantil - A crise do setor têxtil do final dos anos 1980 e início dos anos 1990 não atingiu a sua indústria?

O ano de 1982 foi muito difícil e nessa década, enquanto muitas empresas tiveram problemas, empresas tradicionais, antigas, a Tecelagem Skaf, que era de pequeno porte e não tinha sócios, cresceu e tornou-se porte médio, depois que mudei a fábrica, em 1985, para o município de Pindamonhangaba, onde instalamos uma nova unidade, que caminhou muito bem. Mas, em 1997, tomei uma decisão, porque já estava envolvido no Sindicato da Indústria Têxtil, na Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Havia um momento histórico de renovação na diretoria da Abit e do Sinditêxtil, porque o último presidente estava há 32 anos no cargo. Nas eleições para a duas entidades, em 1998, houve um apoio natural do setor a meu nome para renovação. A partir daí, reformulei minha vida empresarial, deixei de ter uma atividade como nos 25 anos anteriores, sem sócios e sempre dependendo de mim. Reestruturei-me empresarialmente, e nessa mudança abri a agenda, de 1998 a 2001, a cumprir o primeiro mandato na Abit, quando fui eleito com apoio de 98% dos votos do setor.

Gazeta Mercantil - Qual era o tamanho da Tecelagem Skaf?

A Skaf era uma empresa média e, na época, faturava uns US$ 20 milhões por ano. Nessa unidade em Pindamonhangaba fazíamos a preparação do tecido, tecelagem, tinturaria, acabamento e estamparia. Pegava a matéria-prima e saía o produto final para moda feminina, tecido estampado, e tínhamos uma das melhores coleções femininas do país. Quando fiz a reestruturação, em 1997, transformei a unidade em Pindamonhangaba em um condomínio industrial, vendi a parte fabril, entrei no negócio imobiliário com a empresa Turn Key Parques Empresariais, com dois sócios, o arquiteto Aref Farkouh, com experiência no ramo imobiliário, e sua irmã Cláudia Farkouh. Mais tarde, fiquei sócio da Paramount Lansul, uma indústria têxtil tradicional, com fábrica em Santa Isabel e sou vice-presidente do seu Conselho de Administração. Na Paramount, a minha missão é participar de reuniões mensais, uma tarde por mês, quando acompanho sua microeconomia, vendo orçamentos, custos, resultados, compra, venda e todas as questões da administração, mas não mais na rotina diária. Essa é a vantagem de continuar no negócio, mas sem estar no dia a dia da empresa. Com um outro sócio, o Ivan Pacheco, um homem bastante experiente e que trabalhou muitos anos na indústria têxtil Braspérola, nós temos a Texexport, uma empresa pequena que exporta para a Europa.

Gazeta Mercantil - Como foi o esforço para a modernização da indústria têxtil tradicional após a crise das décadas de 1980 e 1990?

Essas duas décadas foram difíceis e a verdade é que o crescimento no país parou nas décadas de 1960 e 1970, quando tivemos o nosso Produto Interno Bruto (PIB) quadruplicado. A partir do final da década de 1970 para cá, o que a nossa geração vem fazendo é administrar crises. Eu consegui resultados nos anos 1980 com muito esforço, muita dedicação e muito trabalho. Depois, na década de 1990, tivemos outro momento bastante difícil para o setor, quando as importações cresceram demais, por causa da abertura estabanada e irresponsável que foi feita pelo governo federal. É saudável importar, porque se exporta, também tem de importar, mas não é saudável importar sem critérios, importar com prática de dumping, com descaminho, com ilegalidade. E isso afetou o setor, mas talvez tenha ajudado a me estimular um pouco também para entrar na parte institucional, na parte política, na defesa da indústria têxtil e a mudar minha rota de vida. E foi importante ter-me dedicado em tempo integral a isso, porque não combina, não é possível ser um médio empresário, tocar a empresa e tocar uma entidade de classe como a Abit ou como a Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). Pode-se participar, eventualmente, de uma pequena entidade, que esteja muito profissionalizada e comparecendo em reuniões periódicas. Mas com uma participação semanal não há condições de fazer isso numa entidade e num trabalho pró-ativo e de resultados como fizemos na Abit ao longo desses anos. Afinal, conseguimos transformar a Abit numa grande entidade, com projeção, aumentando dezenas de vezes o número de associados, conseguindo resultados na área fiscal, com redução de impostos para o setor têxtil, resultados na área do comércio exterior, nas negociações internacionais, quebrando barreiras com a Europa, com os Estados Unidos, com a Argentina inúmeras vezes, conseguindo promover a moda do Brasil e nossos produtos no mercado internacional.

Gazeta Mercantil - Há uma estratégia do empresariado de tentar tomar as rédeas dos rumos do país?

Essa história de participar de governo, ou entrar na política, não tem nada a ver com ser ou não empresário. É uma questão de vocação pessoal. Por que razão eu me envolvi no sindicato, na Abit, aceitei o convite para ser candidato e hoje sou presidente da Fiesp, o que me levou a tudo isso? É uma paixão, uma vocação pessoal, porque desde os bancos de escola me dava satisfação ser presidente da classe, ser presidente do grêmio. Portanto, não tem muito a ver com um movimento empresarial para entrar na política. No caso do vice-presidente da República, José de Alencar, trata-se de um homem fantástico, um homem do bem, um bom cidadão brasileiro, um bom chefe de família.

Gazeta Mercantil - Ele também vem da indústria têxtil...

Ele é um bom empresário, e sua empresa, a Coteminas, é exemplar. Ele foi presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de Minas Gerais, depois foi presidente da Federação da Indústria do Estado de Minas Gerais (Fiemg), elegeu-se senador da República e o destino o levou a ser vice-presidente da República. E fez essa trajetória porque deve ter amor e paixão por essas questões, e não creio que tenha havido uma estratégia de um grupo empresarial para ter empresários na política. Não, isso foi natural, aconteceu, por força do destino, por força da vocação e é assim que as coisas acontecem.

Gazeta Mercantil - O governo Lula aceitou sua sugestão de dar representação à indústria no Conselho Monetário Nacional (CMN)?

Quando estive visitando o presidente Lula, demos uma peregrinada por Brasília dentro desse espírito de uma Fiesp para fora, do diálogo e de resultados. Além do presidente da República, visitei o presidente do Superior Tribunal de Justiça, os presidentes do Congresso Nacional e da Câmara dos Deputados, visitei nove ministros, o presidente das Confederações da Agricultura e da Indústria. E também o governador de São Paulo, o presidente da Assembléia Legislativa, o presidente do Tribunal de Alçada de São Paulo e tivemos contato com Central Única dos Trabalhadores (CUT). Nessa peregrinada, quando estive com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversamos no sentido de ampliar o Conselho Monetário Nacional(CMN), para que tanto os empresários, quanto os trabalhadores, tenham uma cadeira no CMN. Pedi também uma redução da TJLP, porque as autoridades monetárias vivem dizendo que "devido a produção de alguns setores estarem chegando a sua capacidade? Isso poderá levar a pressão inflacionária, devido a expectativa da inflação poderá ter aumento de juros", e acho que podemos mudar essa história. A linha pode ser outra, em vez de ficarmos esperando chegar nos limites de produção e esperando que causem aumento de preços, e com isso a elevação da inflação, em seguida aumentando os juros para conter a inflação e ficarmos nessa ladainha de 20 anos de juros altos. No lugar disso, podemos acelerar nossos investimentos, acelerar o aumento da oferta e da produção. Temos conhecimento de inúmeras empresas que antecipariam os investimentos se tivessem acesso a uma TJLP mais baixa. Então, ao invés de ficarmos esperando os gargalos, esperando chegar no limite de produção, se houver projetos entrando no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) conseguiríamos alguns bilhões de investimentos, e teríamos dentro de alguns meses ou dentro de um ano, o aumento da produção e da oferta, tirando qualquer pressão inflacionária e entrando num ciclo virtuoso e não vicioso. O país está precisando crescer, e faz vinte e cinco anos que esqueceu esse astral do crescimento. Uma pessoa de 40 anos de idade nunca viu crescimento, porque tinha 15 anos quando o Brasil parou de crescer, não lembra mais. E isso precisa mudar, entrar num astral de crescimento, e esse astral não vai ocorrer se a única autoridade do país for a autoridade monetária. O que pretendemos, conversando com a classe política, com o Congresso, com os governos, com a sociedade e com os trabalhadores, é criar uma outra autoridade, que vai se chamar autoridade produtiva. Assim como tem a autoridade monetária, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil, que quando se reúne a única missão é defender a moeda. Diferente do Banco Central norte-americano, que tem duas missões, defender a moeda e o emprego. Então, estamos diante de uma situação em que a autoridade monetária vai ditar o futuro de todos nós, e não existe outra autoridade. O curioso é que a autoridade monetária é muito forte para tomar decisões independentes sobre o Copom, mas não sinto a mesma força para tomar as medidas necessárias no sentido de reduzir o spread bancário. Já que a autoridade monetária é tão forte para decidir no Copom contra a vontade da sociedade, do presidente da República, dos produtores, de quem trabalha, não entendo porque não tem eficiência para conseguir reduzir os spreads bancários para que aquele juro que chega no balcão do produtor seja menor.

Gazeta Mercantil - O senhor acha que o Copom e o BC fazem o que o sistema financeiro manda?

Não. Acho que o Copom decide aquilo que está dentro dos critérios e das metas estabelecidas pelo governo, mas, sempre, visando só a moeda.

Gazeta Mercantil - Quando fala de juros, por exemplo, o senhor está pretendendo criar um pólo do resistência, para a indústria não ficar subordinada à hegemonia do mercado financeiro?

Não precisamos "peitar" ninguém. Só que, além da autoridade monetária, que já temos e há muito tempo e com autoridade bastante, precisamos de uma nova autoridade, a produtiva, para defender os interesses de quem trabalha e produz. Não se trata de peitar ninguém. Trata-se de ter autoridade produtiva, que seja levado em conta outros aspectos, além de fazer o país todo ficar à mercê das decisões da autoridade monetária.

Gazeta Mercantil - O que o senhor pretende quando fala que é preciso resgatar o `astral dos anos 1960 e 1970¿? A qual modelo de desenvolvimento está se referindo?

O problema não é o modelo. O problema é que naqueles anos o país quadruplicou o seu PIB. Então, a cada onze anos, dobrava o PIB. Imagine alguém que começa a vida, saia da sua faculdade com 23, 24, 25 anos e com 35 anos assistir uma dobrada de PIB, com 45 anos assistir outra dobrada de PIB. Esse é um outro astral. No entanto, o que aconteceu nos últimos 25 anos é que ficamos administrando crises, com os juros mais altos do mundo. O crédito naquela época correspondia a 80% do PIB e, hoje, corresponde a 23%, a carga tributária era em torno de 20% do PIB e hoje é de 38%. Não lembramos mais o que é um astral de desenvolvimento e nos acostumamos de tal forma com as dificuldades, que um empresário, micro, médio ou grande, quando pega uns meses em que as coisas caminham bem já tem uma supersatisfação. Agora nós estamos num novo momento. Isso que já passou, já foi, não vai mudar, e temos que olhar os próximos dez, quinze, vinte anos. E para ter um crescimento sustentável, como nós todos queremos, não adianta o Brasil crescer 5% agora, crescer pouco no ano que vem e depois voltar a estagnação. E também não adianta nos iludirmos de que estaremos numa era de crescimento sustentável de 5%, 6% ao ano com gargalos na infra-estrutura. É preciso fazer rapidamente investimentos maciços e certeiros, porque não adianta investir erradamente. Na questão da energia, nossas reservas estão abastecidas e temos energia por mais três anos graças a São Pedro. Então, precisamos investir na infra-estrutura, temos que acreditar que um crescimento sustentável não se dá com 38% de impostos sobre o PIB, não se dá sem crédito, não se dá com juros altos. Precisamos criar a autoridade produtiva para defender a bandeira de quem trabalha e de quem produz, e isso significa esforços no sentido da redução da carga tributária, alongamento dos prazos dos impostos, a exemplo do ICMS.