Título: UE promete ambição igual à do Mercosul em nova oferta
Autor: Claudia Mancini
Fonte: Gazeta Mercantil, 28/09/2004, Internacional, p. A-9
Bruxelas diz que entregará sua proposta nesta quarta-feira. A nova oferta para maior abertura do mercado da União Européia (UE), ao Mercosul, será tão ambiciosa quanto a proposta enviada na última sexta-feira pelo bloco sul-americano a Bruxelas, disse ontem a este jornal Arancha González, porta-voz do Comissário europeu de Comércio, Pascal Lamy. Como a UE já está com a oferta total do Mercosul nas mãos, está numa posição mais confortável para julgá-la e daí definir a sua posição. O bloco europeu promete para amanhã o envio de sua proposta.
"Estamos finalizando a nossa oferta. Os especialistas dos 25 países da União Européia estão se reunindo", disse González. A porta-voz, assim como outros representantes da UE, afirmou que o importante é assegurar que o conteúdo do acordo responda aos interesses dos europeus. Negociadores do Mercosul também dizem que o importante é um conteúdo benéfico ao bloco. Assim, os dois lados indicam que assinar um documento até 31 de outubro, como prevê o cronograma de negociações, não é a maior prioridade.
A troca de novas ofertas completadas entre os blocos estava marcada para o final da última semana. Durante a semana, os dois lados temiam descumprir o prazo. A reunião dos países do Mercosul para fechar a proposta e que deveria durar dois dias, durou três, e acabou na sexta-feira mesmo. O Brasil informou Bruxelas que consultaria a Câmara de Comércio Exterior (Camex), antes de enviar a oferta, mudando de idéia depois. A UE então atrasou seu envio. A troca das ofertas totais de cada lado foi uma pressão do bloco sul-americano.
A atitude da UE foi criticada por empresários brasileiros. "Eles continuam usando o instrumento da barganha", afirmou um representante do setor agrícola.
Condicionalidades
Em sua oferta à UE, o Mercosul coloca condicionalidades às suas propostas. Uma delas é de que os europeus não exportem produtos agrícolas subsidiados para o bloco sul-americano. Segundo um negociador brasileiro, Bruxelas afirma ter um mecanismo capaz de identificar os produtos vendidos ao Mercosul, não concedendo benefícios aos seus produtos. O fim desses subsídios está previsto para ocorrer no âmbito da Organização Mundial do Comércio, mas a data ainda será negociada.
Outra condição é que as cotas para bens agrícolas que a UE oferece para entrar em vigor na assinatura do acordo não sejam aplicadas em 10 anos, como propôs Bruxelas. O Mercosul também rejeita cotas que limitem suas exportações. E diz que essas cotas devem ser administradas pelos exportadores, e não importadores. Com isso, espera-se evitar o que acontece hoje: a venda dessas cotas por um importador para outro, que desconta o que pagou no valor da compra que fará do exportador sul-americano. Isso ocorre em carne, por exemplo, segundo um representante do setor.
O Mercosul está pedindo ainda acesso de prestadores de serviços do bloco na UE. Recentemente, os europeus sinalizaram que poderiam oferecer uma cota de vistos para prestação temporária de trabalho para esses profissionais.
"Vamos olhar a oferta deles para saber se é atraente, para mudar a nossa, que é condicionada. Se for muito atraente, veremos se tem algum esforço adicional a ser feito", disse o chanceler Celso Amorim, segundo a agência Reuters. O ministro afirmou estar otimista sobre a negociação e acha possível um acordo até o fim de outubro. Mas disse que se isso não ocorrer, não será uma tragédia. "Se a oferta (da UE) for razoavelmente aproximada do que queremos, sempre há margem para um acordo."
O ministro afirmou preferir que a assinatura ocorra antes da posse dos novos comissários europeus, em novembro, "porque o Lamy está a par dos assuntos e em todo novo começo as pessoas têm que aprender. Mas não vejo a nova configuração da UE como desfavorável."
O documento enviado aos europeus tem melhorias substanciais, disse Régis Arslanian, responsável pelo Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty. A entrega do documento sexta-feira resultou do compromisso fechado com a UE para isso e da intenção de mostrar a determinação do bloco em colocar sua oferta sobre a mesa, afirmou.
Em serviços financeiros e de telecomunicações, duas das áreas de maior interesse dos europeus, o Mercosul basicamente consolida o que ocorre na prática no País. Com isso, dá maior segurança aos investimentos estrangeiros. Para telecomunicações é exigida presença comercial. Em serviços financeiros, a exigência é desnecessária em alguns setores. Em investimento, a oferta "é totalmente completa", afirmou Arslanian. "Mas não estamos atendendo todos os pedidos (da UE), como também não queríamos cotas para produtos agrícolas". A oferta do Mercosul, diz ele, cobre 90% do comércio. Parte é com tarifas e parte com reduções tarifárias.
Segundo um negociador do Mercosul, foi ofertada aos europeus desgravação tarifária em 18 anos para veículos. Para compensar, haverá uma cota de 25 mil veículos para a UE ao ano, com tarifa zero, que pode ser revisada depois. A redução tarifária foi acelerada para alguns produtos, que podem vir a ter tarifa zero já na assinatura do acordo, como mel e feijão. Para leite em pó, houve mudança no sentido inverso, com oferta de redução tarifária de 20% e não de redução a zero da tarifa em dez anos, como previsto antes. A Tarifa Externa Comum do Mercosul é de 15,5%, mas no Brasil a aplicada é de 27%. A princípio, a redução é sobre a TEC.
Cotas
Numa reunião recente, a UE indicou ao Mercosul que poderia elevar as cotas para alguns produtos agrícolas. Mas além de falar em parcelamento da aplicação das cotas, os europeus também já falaram que dividiriam a abertura de seu mercado em duas etapas: uma primeira, com aplicação gradual das cotas, teria início na assinatura do acordo - boa parte das inclui a cobrança de tarifas de importação. A segunda etapa dependeria do que for, se é que vai, ser fechado na Rodada de Doha. O Mercosul diz ignorar essa segunda fase, porque é incerta.
As cotas indicadas pela UE para a primeira fase, em toneladas, foram de: 116 mil para carne bovina, 245 mil para frango, 600 mil para etanol, 6 mil para suínos, 60 mil para bananas, 6,5 mil para lácteos, 100 mil para trigo de baixa qualidade, 500 mil para milho e sorgo, 34 mil para arroz, 20 mil para queijos, 5 mil para alho e 2 mil para manteiga.