Título: Milhões escorrem pelo ralo
Autor: Klaus Kleber
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/09/2004, Opinião, p. A-3

Com o real sobrevalorizado, compram-se mais dólares. Os exportadores fingem uma olímpica indiferença quando são perguntados se o real está ou não sobrevalorizado. Eles não estão preocupados com isso porque já fecharam contratos até o fim do ano, pelo menos, e ainda usufruem da alta das commodities. Mas a verdade é que o real está sobrevalorizado, fazendo lembrar os tempos em que Gustavo Franco estava à testa do Banco Central. Os números do balanço de pagamentos, divulgados pelo Banco Central na semana passada, não deixam dúvida. E, com o real sobrevalorizado, milhões de dólares estão escorrendo pelo ralo.

Vejam só. Por meio das contas CC-5 (operações com instituições do exterior), que são perfeitamente legais, diga-se de passagem, saíram em agosto US$ 2,11 bilhões, 57,9% de tudo o que vazou nos primeiros oito meses do ano (US$ 3,66 bilhões). Outra festa têm sido as remessas de lucros e dividendos, que, entre janeiro e agosto, atingiram US$ 1,67 bilhão, 63,9% a mais que em janeiro-agosto de 2003. Prestem atenção também às rendas de investimentos diretos. No ano passado, no período considerado, foram de US$ 11,40 bilhões. Em 2004, pularam para US$ 13,46 bilhões, mais 18%.

Claro, as empresas aumentaram os lucros e estão mandando mais dinheiro para fora. Mas isso é facilitado pela sobrevalorização do real, isto é, com menos reais, compram-se mais dólares, e quem pode aproveita. Pode alguém dizer que isso é do jogo do mercado livre, que não é tão livre assim, bastando recordar o período em que o Banco Central estabeleceu uma ração diária de compra de dólares, na gestão de Armínio Fraga, para conter a alta da moeda americana. A situação agora é exatamente inversa.

Quanto ao aumento dos investimentos diretos, não tem nada a ver com a melhor imagem do Brasil no exterior. A receita de investimentos chegou, de janeiro a agosto, a US$ 17,37 bilhões, mas isso é explicado, em grande parte, pela troca de ações entre a AmBev e a Interbrew, da Bélgica. Veio dinheiro de lá e saiu dinheiro daqui. No mês passado, entraram US$ 7,51bilhões, mas saíram US$ 8,34 bilhões. A constatação é de que o saldo líquido dos investimentos diretos em todo este ano não passa de US$ 3,49 bilhões, valor quase igual ao que escapuliu, em oito meses, pelas contas CC-5, que são perfeitamente legais, não se esqueçam.

kicker: O saldo de investimentos diretos não cobre as saídas pelas CC-5