Título: Juros em alta, emprego e salário em baixa
Autor: Otto Filgueiras
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/09/2004, Nacional, p. A-8

Professor da PUC diz que a alta taxa Selic e carga tributária de 38% do PIB podem ser fatais ao desenvolvimento sustentável. A manutenção da alta taxa de juros e a carga tributária em quase 38% sobre o Produto Interno Bruto (PIB) podem ser fatais para um crescimento sustentável da economia brasileira. Afinal, nos últimos anos, o Brasil pagou, em média, 5% do PIB em juros reais, e isso, junto com a carga tributária excessiva, configura um processo de retirada de dinheiro do sistema econômico e drenagem para o setor financeiro. E o efeito disso sobre o crescimento é obscuro, não se sabe ao certo o que vai dar, diz o economista Carlos Eduardo Carvalho, professor da Faculdade de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Carvalho diz que "o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está alardeando que a economia vai muito bem, que está estabilizada, mas isso não corresponde à realidade". Segundo o professor, "o equilíbrio da economia hoje repousa em situações de dívidas, ao lado de incertezas grandes a respeito da relação da economia com o quadro internacional. Ele diz que 2003, do ponto de vista do setor externo brasileiro, foi o melhor ano possível, "mas mesmo nessas condições a dívida externa passou de US$ 210 bilhões para US$ 220 bilhões".

Hoje, diz Carlos Eduardo Carvalho, "a dívida líquida total continua em torno de 55% do PIB e a dívida interna representa 45% do PIB, que é um número muito alto e o dobro da que existia às vésperas do Plano Collor, quando a dívida interna brasileira era 22% do PIB". Para ele, a economia está crescendo agora porque "os últimos três anos foram de crescimento baixo, de enorme contenção de gastos pelas empresas e pelos cidadãos; há uma demanda reprimida que, quando encontra algum tipo de impulso, se libera, gera gastos e despesas". Outra razão para o aquecimento da atividade econômica é o aumento das exportações, que provoca efeito em cadeia para trás nos setores exportadores.

Segundo o professor, existem outros fatores adicionais que explicam a retomada de crescimento, dos quais o primeiro é a queda dos salários. "Se olharmos qualquer gráfico de renda real dos trabalhadores, praticamente todo o ganho com a estabilização já foi devolvido. Estamos voltando aos níveis de renda real do trabalho semelhantes ao que havia antes do Plano Real", afirma o professor. Hoje, diz ele, "ao invés do valor real do trabalho ser corroído pelo processo inflacionário, que era uma característica de atraso do capitalismo brasileiro, agora o nível real do salário é rebaixado sem precisar de inflação".

Segundo Carvalho, na Europa, Estados Unidos e em outros países capitalistas avançados, "intensifica-se o progresso técnico de tal forma que não é necessário rebaixar o salário nominal do trabalhador para que ele gere mais lucro ¿ é essa a vantagem do progresso técnico". Mas o Brasil, diz ele, "está fazendo isso por um processo perverso, que é o rebaixamento do salário nominal e um desemprego alto". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Gazeta Mercantil - O crescimento da economia brasileira no primeiro semestre significa que o País está entrando num novo ciclo de desenvolvimento ou trata-se do mesmo fenômeno que ocorre há 20 anos, quando a atividade econômica se intensificou e em seguida refluiu?

Carlos Eduardo Carvalho - Qualquer prognóstico muito definitivo e muito fechado sobre a economia atualmente é muito arriscado. Não temos parâmetro para fazer projeções sobre o futuro pelo fato de que a economia brasileira sofreu mudanças muito fortes nos últimos 20 anos e que alteraram a maneira como ela funcionava. Existem mudanças de longo prazo fundamentais que ocorreram no País, a exemplo da demográfica. O País envelheceu, caiu a velocidade do processo de urbanização, que são fenômenos contra o crescimento acelerado. Em geral, as economias com populações mais jovens e com processos de urbanização acelerados em curso tendem a ter taxas de crescimento mais altas. Além disso, durante os últimos anos, a economia brasileira sofreu uma mudança estrutural grande com a abertura externa, as privatizações, a concentração de capital e a entrada de empresas estrangeiras em setores cruciais. Então, não sabemos ao certo qual é a dinâmica dessa economia e do setor real dessa economia nesse novo contexto, e a aplicação de conceitos do passado são difíceis. Além dos movimentos longos, existem alguns movimentos mais curtos: nos últimos 4 ou 5 anos, que correspondem à última fase do ajustamento neoliberal ou à última fase do Plano Real, se quisermos chamar assim, que é o período posterior à desvalorização de nossa moeda em 1999, a economia entrou em outro padrão macroeconômico com algumas diferenças importantes em relação ao passado. O primeiro deles é que a economia passou a operar com uma carga tributária muito mais alta do que sempre operou. E, além de ser mais alta, é uma carga tributária que vai acompanhada por um superávit primário muito elevado. Portanto, existe uma retirada grande de dinheiro do sistema econômico pelo superávit primário, que é direcionada no essencial para o pagamento de juros.

Gazeta Mercantil - A carga tributária no Brasil também atrapalha o crescimento?

Estamos agora com uma taxa de 37% a 38% de carga tributária sobre o Produto Interno Bruto (PIB) em relação a 24% no início do Plano Real e a 29% do período anterior à desvalorização. São 14 pontos e 9 pontos percentuais a mais, respectivamente, e não sabemos como isso influencia variáveis como investimento, consumo e a situação financeira da pequena e média empresa. E a segunda grande mudança são os níveis de juros: o Brasil pagou nos últimos anos, em média, uns 5% do PIB em juros reais. Essas duas coisas juntas configuram um processo de retirada de dinheiro do sistema econômico e drenagem para o setor financeiro, para as grandes empresas e os rentistas. O efeito disso sobre o crescimento é obscuro, não sabemos ao certo o que vai dar. Em paralelo, ocorreu um quarto movimento, que é uma mudança muito importante na regulação da economia brasileira e que os analistas não consideram: pela primeira vez o capitalismo brasileiro consegue rebaixar salários sem inflação. A inflação é relativamente pequena, e os níveis salariais caíram muito. Se olharmos qualquer gráfico de renda real dos trabalhadores, praticamente todo o ganho com a estabilização já foi devolvido. Estamos voltando aos níveis de renda real do trabalho semelhantes ao que havia antes do Plano Real. Isso significa que o processo mudou, porque ao invés de corroer o valor real do trabalho com a inflação, que era uma característica de atraso do capitalismo brasileiro, agora se rebaixa o nível real do salário sem precisar de inflação. Trata-se de um avanço na modernização capitalista do País, mas, como tudo, é uma avanço manco.

Gazeta Mercantil - Nos países centrais, a exemplo dos Estados Unidos e da Europa, isso também não é assim?

Na Europa, nos Estados Unidos e em outros países capitalistas avançados, esse processo de super exploração do trabalho, sem inflação, é feito pelo aumento de produtividade. Intensifica-se o progresso técnico de tal forma que não é necessário rebaixar o salário nominal do trabalhador para que ele gera mais lucro, é essa vantagem do progresso técnico. Ou então se faz isso pela atração de imigrantes para trabalhador por salários mais baixos, como é o caso da economia norte-americana, hoje. O Brasil está fazendo isso por um processo muito perverso, que é o rebaixamento do salário nominal e um desemprego alto. Alguns estudos recentes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostram que está havendo queda do salário nominal. Isso significa que entramos por uma porta na modernidade e por outra restauramos o que há de mais atrasado e retrógrado, que é a selvageria no ambiente de trabalho. Esse conjunto de processos é o que caracteriza a etapa do Plano Real de 1999 para cá e foi mantido pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva exatamente igual a como estava antes, não teve mudança nenhuma e nesse sentido é a continuidade mesmo. E esse processo de ajuste está se completando agora.

Gazeta Mercantil - E por que a economia está crescendo?

Por duas razões óbvias: está crescendo porque vinha caindo muito. Isso não é uma brincadeira, é uma verdade. Os últimos três anos foram de crescimento baixo, de enorme contenção de gastos pelas empresas e pelos cidadãos. Há uma demanda reprimida muito forte e quando encontra algum tipo de impulso ela se libera, gera gastos, despesas e por ai não há tanta novidade. A segunda razão é o aumento muito grande das exportações, que provoca um efeito em cadeia para trás nos setores exportadores. Existem também outros fatores adicionais que explicam essa retomada de crescimento e o primeiro deles é justamente a violenta queda dos salários. A lucratividade das empresas subiu muito de um ano para cá e em grande parte pela redução de custos com o trabalho.

Gazeta Mercantil - A diminuição do consumo não prejudica a atividade capitalista?

Há um raciocínio equivocado de muitas pessoas que acham que o rebaixamento de salários prejudica o consumo. Só que o capitalismo não é um sistema de consumo, é um sistema de produção. Não é porque não tem gente que compre produto no balcão que o capitalismo vai mal. O capitalismo vai mal quando não pode explorar o trabalho dentro da fábrica. Salário baixo para o capitalismo é o seu estágio natural, e nesse sentido a economia brasileira ganhou um prêmio por esse rebaixamento salarial que se manteve ao longo desses anos todos. O outro fator que explica a retomada do crescimento é que a grande empresa praticamente encerrou o ciclo de correção dos efeitos da crise de 1999. Se lembrarmos como estava a economia brasileira há dois anos atrás, em meados de 2002, vamos ver que estávamos praticamente em moratória externa e correndo um sério risco de uma crise financeira doméstica muito grave pela combinação da desvalorização do câmbio, a queda das exportações e dificuldades de financiamento externo. Nos dois anos que se passaram de lá para cá, que é quando o candidato Lula fez o pacto com o capital, a grande empresa nadou de braçada, porque seus proprietários são, em geral, financiadores do Estado, se beneficiaram com a valorização do câmbio, se beneficiaram com os ganhos com juros, porque vários deles são aplicadores líquidos, tiveram benefício da queda do custo de salário e estão em condições financeiras excelentes.

Gazeta Mercantil - Mas os bancos não são os principais beneficiários desse processo?

A situação financeira dos bancos é excepcionalmente boa, a quantidade de dinheiro que o setor bancário acumulou no Brasil nesses últimos anos é algo absolutamente fantástico. Os banqueiros ganharam fortunas de mão beijada, praticamente sem ninguém pedir nada em troca. Tudo isso posto, a pergunta é se esse modelo pode conduzir a um ciclo de crescimento prolongado? Não dá para ter certeza de nada. Mas eu creio que pode conduzir a um novo ciclo de crescimento. Não há nenhuma razão impeditiva de que isso provoque um ciclo de crescimento.

Gazeta Mercantil - Por que?Pelo violento processo de concentração de renda, de espoliação do trabalho, de concentração de capital que ocorreu no Brasil patrocinado pelo Estado, porque é este o sentido do Plano Real e o sentido da continuidade do governo Lula. E este processo não tem nada de estranho no capitalismo, porque banco ganhar muito dinheiro e concentrar renda, o governo tirar renda dos pobres para dar para os ricos é da essência do sistema, não é nenhuma anomalia. Anomalia é um governo de esquerda patrocinar tudo isso, mas o capital fazer isso é o normal. A partir disso, a pergunta que se coloca para nós é: por que os bancos brasileiros, ao acumular uma tal massa de riqueza financeira, juntamente com o grande capital e os rentistas, não direciona esse super lucro que tiveram para investir na produção? Porque não há nenhuma razão atávica, nenhuma razão metafísica para impedir que façam isso. O capital foi sempre assim nos grandes ciclos que ocorreram, e pode ser assim também nos que venham a fazer. A explicação mais simples que temos é que não fazem porque os juros são muito altos e não há nenhuma razão para se aplicar na produção no Brasil quando se tem uma taxa de juros desse tamanho. A explicação é forte, elucida muita coisa, mas é insuficiente, porque nenhum grupo capitalista decide o que fazer num país como o Brasil a partir da taxa de juros de curto prazo. Qualquer empresa capitalista que olhe para o Brasil num horizonte de cinco anos sabe que aqui é um dos lugares do mundo mais promissores para se ganhar dinheiro. Há um sistema político totalmente estruturado atualmente para servir ao capital, uma classe trabalhadora disciplinada e sem lideranças, sindicatos completamente derrotados, um sistema político inteiramente a serviço do capital e um país onde há muita coisa a fazer e uma riqueza imensa a espoliar.

Gazeta Mercantil - Os grandes capitalistas relutam em investir no Brasil com receio de que a economia faça o "vôo da galinha"?

Essa é uma pergunta importante, e há uma possibilidade grande de que o crescimento possa se manter. Negar atualmente a possibilidade de estar começando um ciclo longo de crescimento simplesmente porque nos últimos 20 anos só houve o vôo da galinha é uma afirmação forte, mas parcial, não acho que se possa apostar 100% de fichas nisso.

Gazeta Mercantil - E por que não investiram até agora?

Eu creio que não investiram até agora porque há um quadro de incertezas macroeconômicas no Brasil muito grave; a situação de endividamento do País é assustadora; e o capital sabe disso. O governo Lula está alardeando que a economia vai muito bem, que está estabilizada, mas isso não corresponde à realidade. A situação é muito ruim no País. Para os capitalistas a questão que se coloca é a seguinte: Lula tem o apoio da mídia, ao que tudo indica vai se reeleger, o Partido dos Trabalhadores (PT) montou um pacto de aliança com o capital que vai durar oito anos, e se tudo correr bem no cenário internacional não investir agora é um perigo, porque pode ser que daqui a pouco seja tarde demais, porque outros já investiram. E isso pode detonar um ciclo de crescimento; e se esse ciclo começar, os problemas de endividamento do País vão se atenuar progressivamente. A idéia de que pode estar começando um ciclo de crescimento não pode ser descartada, não é a hipótese mais forte, mas não se pode dizer que seja algo não irá ocorrer.

Gazeta Mercantil - Por que a situação do Brasil é grave?

Porque o equilíbrio da economia brasileira hoje repousa em situações de dívidas muito complicadas, ao lado de incertezas grandes a respeito da relação da economia com o quadro internacional. O ano de 2003, do ponto de vista do setor externo brasileiro, foi o melhor ano possível ¿ não poderia ser melhor: juros baixos no mundo inteiro, a economia mundial crescendo, o comércio internacional se expandindo, fluxo de capitais abundantes no mundo, uma situação internacional muito desanuviada depois da derrota de Saddam Hussein e a queda do preço do petróleo. Foi tudo bem, "cenário de céu de brigadeiro". Mas nessas condições o endividamento externo da economia brasileira subiu, a dívida externa passou de US$ 210 bilhões para US$ 220 bilhões. E isso é grave, porque numa situação ideal a dívida externa aumentou. O setor externo melhorou as transações correntes, mas o estoque da dívida subiu. O volume da dívida externa brasileira em relação às exportações, mesmo com a alta das vendas ao exterior, é um dos piores do mundo ¿ é muito pior do que o da Rússia, do México ou de qualquer outro país.

Gazeta Mercantil - A proporção da dívida externa em relação às exportações está em 2,64 vezes. Isso é muito alto?

É muito alto. Na Rússia a relação é de 1, no México também deve ser de l. No melhor cenário possível, a dívida externa brasileira vai continuar sendo muito alta. E a continuidade dessa situação no setor externo é que é problemática. As exportações brasileira talvez cheguem a US$ 100 milhões em 2004, mas não temos certeza de que isso vai ocorrer. Nossa exportações são concentradas em setores pouco dinâmicos, enfrentam concorrência internacional, e não está claro qual é a possibilidade de sustentação desse nível de crescimento. Há muita dúvida a respeito disso, principalmente porque tudo indica que a economia mundial não vive uma fase de estabilidade, por causa da alta dos preços internacionais do petróleo, e da taxa de juros norte-americana. E não sabemos como a balança comercial brasileira vai reagir quando a economia voltar a crescer, porque tradicionalmente quando a economia volta a crescer, a balança comercial piora e o saldo comercial diminui por causa da demanda interna. Até agora isso não ocorreu. É promissor, mas é bom lembrar que a economia precisou ficar dois anos em recessão para o saldo comercial crescer. O outro lado do problema é a situação financeira doméstica, porque a dívida pública continua muito grande, não sabemos como economia vai se manter crescendo com essa taxa de juros. A dívida líquida total está torno de 55% do PIB e a dívida interna representa 45% do PIB, um número muito alto. Às vésperas do Plano Collor, a dívida interna brasileira era 22% do PIB e agora é o dobro. Portanto, uma situação financeira complicada, há um risco de que qualquer turbulência internacional provocar problemas graves internamente.

Gazeta Mercantil - As dúvidas em relação à sustentação financeira da economia deixam o setor privado inseguro para investir?

Esse quadro de dúvidas a respeito da sustentação financeira da economia é um fator que durante muito tempo segurou a decisão de investimentos das multinacionais, dos bancos, que têm medo do futuro. E estamos longe de o problema estar resolvido, porque a situação está aí como uma ameaça. Lembrar sempre que a violenta queda dos salários ajuda a equacionar tudo, melhora muito a situação e o pacto do governo Lula com o capital passou justamente por isso. O governo Lula disse que garantia os juros, e que os trabalhadores vão se ferrar em paz, sem reclamar. Até agora isso está sendo feito, e para o capital está sendo um bom negócio. Então, existe a possibilidade de que a economia entre num ciclo de crescimento ¿ não é a mais provável, mas existe. E certamente, se ela existir, vai ser um ciclo de crescimento com concentração de renda mais forte e não de expansão de renda. Concentração renda, ampliação da miséria e precarização do trabalho.

Gazeta Mercantil - Um concentração de renda como houve no período da ditadura militar?

É diferente, porque durante a ditadura houve um crescimento industrial muito grande.

Gazeta Mercantil - Vai ser pior?

Do ponto de vista das condições de vida e dos direitos sociais, é bem pior. O que assistimos com o governo Lula é o avanço da desmontagem do estado de direitos sociais que não chegou a se completar, e que está se desmontando cada vez mais.

Gazeta Mercantil - O senhor acha que está definido o perfil do governo Lula?

Eu não tenho nenhuma dúvida. Esse governo é a continuidade do período neoliberal brasileiro, é um governo do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e do grande capital. Se alguém se der ao trabalho de ler a justificativa que o governo deu a respeito da redução de impostos, vai constatar que é exatamente o que o ex-presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, dizia e o que a então primeira ministra da Inglaterra, Margaret Tatcher dizia: "Desonerando o capital e tirando os impostos, o investimentos cresce". Esse é um aspecto central da ideologia neoliberal. As pessoas trabalham com a idéia de que o neoliberalismo é igual a estagnação econômica, mas isso é uma ilusão. O neoliberalismo não significa estagnação econômica, e sim a exploração desenfreada do trabalho pelo capital, a desmontagem do Estado de bem estar social, do Estado keynesiano, e sua vinculação ao interesse do grande capital. Isso é o neoliberalismo.

Gazeta Mercantil - E por que a contradição de parte da grande mídia com o governo Lula?

Eu suponho que a desconfiança de parte da mídia é que não sente na liderança do PT uma densidade política que assegure a proteção dos interesses das classes dominantes brasileiras no caso de haver alguma turbulência. Não se sente confiantes e isso não é uma bobagem, é uma coisa muito grave, porque o governo Lula não foi testado até agora. Todo mundo acha o presidente Lula simpático, mas as pessoas sabem que ele na verdade não tem consistência pessoal nenhuma. Ninguém nesse País acredita que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, entenda alguma coisa de economia ou que Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, entenda alguma coisa do sistema financeiro. Na equipe do Palocci não tem ninguém brilhante, eles são os garotinhos, bem instruídos.

Gazeta Mercantil - O que o senhor acha que o governo Lula fará diante de uma crise econômica?

Há muito medo de que o governo não tenha estatura para segurar a turbulência que esse País pode vir a sofrer. O País já produziu coisas que eram da elite e que deram em conseqüências muito graves. Já tivemos no passado o Jânio Quadros, o Fernando Collor, que não eram pessoas confiáveis. A direita no Brasil lança mão dessas pessoas por desespero, como lançou mão do PT agora, mas acha que são arrivistas, que chegaram ao poder com apoio da classe trabalhadora, do movimento sindical, e que se entregaram na mão da direita.

Gazeta Mercantil - Onde o senhor vê possibilidade de turbulências?

Pelas questões econômicas, a possibilidade existe. O quadro é muito grave. Mas em relação à possibilidade de insatisfação popular, é muito difícil, porque a adesão do Lula ao neoliberalismo foi um golpe de mestre, quebrou completamente a esquerda e o movimento sindical. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) hoje em dia é um fantasma, é uma figura caricata.