Título: Tom mais sóbrio sobre 1964
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2011, Política, p. 5

O 31 de março, data em que os militares comemoravam o golpe que derrubou o ex-presidente João Goulart, deixou de ter tanta relevância e está para perder defensores. O Clube Militar, que servia como porta-voz dos militares insatisfeitos, divulgou nota mais amena na comparação com anos anteriores, talvez retrato de o país ter hoje, no comando do Planalto, uma ex-militante torturada nos porões da ditadura. No comunicado, a entidade não fala de revanchismos nem do atual governo, apenas cita a ¿baderna¿ que teria conduzido ao golpe de 1964. Além do texto mais brando, o Comando do Exército passa para a reserva nos próximos dias três generais que causaram polêmicas com declarações, algumas delas referentes à data.

¿À baderna, espraiada por todo o território nacional, associavam-se autoridades governamentais, entre as quais comandantes militares que procuravam conduzir subordinados à indisciplina e ao desrespeito aos mínimos padrões da hierarquia¿, diz a nota de ontem. No comunicado, os clubes afirmam que existem esforços para ¿criar¿ versões diferentes para o ocorrido em 1964. Porém, em nenhum momento, como em anos anteriores, houve críticas à Comissão da Verdade, tentativa do governo de investigar ações contra os direitos humanos ocorridas durante o regime militar, nem citações ao revanchismo que estaria no ar, hipótese negada pela presidente Dilma Rousseff no discurso de posse.

Há pelo menos três anos o Exército não faz a Ordem do Dia. Em outros governos, muitas vezes a comemoração era criticada, mas nunca impedida. Hoje, a tendência é minimizar a data. O Clube Militar limitou-se a lembrar de ações das Forças Armadas na derrubada de Jango.

Generais Os três generais que deixarão o Exército são considerados da ala mais moderada da força, mas pelo menos dois colocaram os militares em saia justa com o Planalto. O primeiro deles foi Antônio Gabriel Ésper, hoje comandante de Operações Terrestres. Em 2004, quando era chefe do Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex), ele emitiu nota que tentava justificar a queda de Jango pelos militares. Para complicar, o então comandante do Exército, Francisco Albuquerque, não estava no Brasil e não teria autorizado o comunicado, da mesma forma que o ex-ministro da Defesa José Viegas.

Considerado um dos generais mais cultos do Exército, Augusto Heleno Ribeiro Pereira é um dos defensores da soberania da Amazônia e atuou durante anos como comandante militar na região. Numa palestra sobre o tema, ficou célebre por fazer críticas ao governo, principalmente à política indigenista, durante a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Chamado a dar explicações, escapou de sanções em função de sua ficha funcional. Da ala intermediária entre moderados e linha-duras, foi o primeiro comandante das tropas brasileiras no Haiti. À época, discordou da forma como a comunidade internacional tratava a situação no país caribenho.

O atual chefe do Estado-Maior do Exército, Marius Teixeira Neto, também vai deixar a força. Ele comandou várias unidades, principalmente em sua área, a de engenharia. O quarto general que iria deixar a farda nos próximos dias seria o general José Elito, hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ao assumir o cargo, ele adiou o descanso. Elito foi repreendido pela presidente Dilma Rousseff no segundo dia de governo por ter se pronunciado sobre o regime militar em 1º de janeiro. Ele sustentou que o país não precisava se envergonhar dos desaparecidos políticos, que eram um ¿fato histórico¿.

Comissão da discórdia A Comissão da Verdade não é unanimidade dentro e fora do governo desde o início das discussões, no início do ano passado. A possibilidade de, com ela, investigar as possíveis atrocidades da ditadura e reabrir processos esquecidos não agrada os militares, que classificam o ato como revanchismo. Setores das Forças Armadas alegam que a anistia, que beneficiou presos e perseguidos políticos, também serviu para os militares. Investigar o passado, contudo, é defendido pelo setor mais à esquerda do governo e conta com apoio de grande maioria do Ministério Público.