Título: Alta do petróleo ameaça o crescimento
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Fonte: Gazeta Mercantil, 29/09/2004, Opinião, p. A-3
As cotações internacionais do barril de petróleo ontem continuaram em patamares elevados, com picos de preços recordes. Na Bolsa de Mercadorias de Nova York (NYMEX), o tipo WTI para entrega em novembro chegou a atingir US$ 50,47, maior nível desde o início do lançamento dos contratos em 1983. Na Bolsa Internacional de Petróleo de Londres (IPE) o barril do tipo Brent para entrega na mesma data chegou a ser cotado a US$ 46,55, com alta de 1,34%.
Se comparados aos preços dos dois grandes choques do petróleo, em 1973 e 1979, os níveis atuais estão absurdamente elevados. No final de 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) anunciou que a partir de 1º de janeiro de 1974 o preço do barril iria mais do que dobrar, passando de US$ 5,11 para US$ 11,65. Era o fim da era do petróleo barato. Em 1979, o preço do barril do tipo Brent subiu de US$ 14,02 para US$ 31,61, atingindo níveis ainda mais elevados nos anos seguintes: US$ 36,83 em 1980 e US$ 35,93 em 1981.
Ao contrário do que ocorreu nesses dois momentos históricos, a atual elevação de preços não deve caracterizar uma nova crise de proporções globais, apesar da globalização, embora os preços devam permanecer em níveis elevados. A expectativa dos analistas é de que em fevereiro de 2005 o preço esteja em torno de US$ 36 o barril. Estudo recente do Tesouro Nacional corrobora essa perspectiva, ao dizer que "o mercado futuro de petróleo aponta de modo recorrente e consistente para expectativas de queda de preços em 2005".
Apesar desses prognósticos otimistas, é prudente lembrar que o mercado mundial de petróleo oscila perigosamente sobre um fio de navalha. Em virtude, principalmente de fatores políticos, que também foram determinantes nas duas grandes crises. Na primeira, como represália da Opep à ocupação de territórios do Egito e da Síria por Israel. E na segunda, pela revolução islâmica no Irã.
Atualmente, o principal fator é a instabilidade política no Oriente Médio, onde se agravam os conflitos entre Israel e grupos insurgentes palestinos, os poços petrolíferos e os oleodutos do Iraque continuam sob ameaças constantes de ataques e sabotagens, o Irã ressurge como potencial ameaça (agora como possível futura potência nuclear) e a Arábia Saudita, maior produtor e exportador mundial de petróleo, enfrenta a ação de grupos supostamente ligados à organização Al Qaeda.
O estopim de uma possível crise mais séria, neste momento, porém, é a Nigéria, quinto maior produtor da Opep e também o quinto maior exportador para os Estados Unidos. O grupo rebelde Força Voluntária do Povo do Delta do Níger ameaça iniciar uma guerra total contra o governo nigeriano a partir desta sexta-feira e já determinou a todas as empresas petrolíferas e estrangeiros instalados na região do delta do Rio Níger a abandonar a área, o que já foi feito pela Shell. A região é responsável pela produção de 2,3 milhões de barris por dia.
Não deixa de ser uma ironia o fato de que, em plena era da globalização, questões políticas de aldeia, a despeito de Marshall McLuhan, possam conturbar a economia mundial, pondo em risco a estabilidade internacional. Essa situação na Nigéria, assim como os vários conflitos no Oriente Médio, evidenciam que, cada vez mais, são necessárias soluções negociadas e políticas, de preferência multilaterais, para solucionar questões locais ou regionais, antes que provoquem transtornos de proporções mundiais.
Em contraponto a esses fatores políticos, a atual alta de preços do petróleo também decorre de um fenômeno natural: os efeitos do furacão Ivan sobre o Golfo do México, que nas últimas semanas deixou de extrair 11,2 milhões de barris. Embora a produção ainda esteja 500 mil barris por dia inferior à normal, sua normalização contribuirá para trazer tranqüilidade ao mercado.
Essa alta de preços no mercado internacional ocorre num momento em que a Petrobras está para decidir sobre um possível novo reajuste de preços internos dos derivados do petróleo, principalmente da gasolina e do óleo diesel. É preciso que a direção da estatal avalie bem os fatores momentâneos que levaram a essas altas recordes no mercado internacional, para não incorporá-las aos preços internos.
Uma alta exagerada dos preços dos derivados no mercado nacional, pelo seu efeito amplificador sobre os demais preços ¿ velho conhecido do consumidor brasileiro ¿ pode reverter a tendência de queda da inflação, evidenciada pelos últimos índices da Fipe (IPC) e da FGV (IPC-S) e pelas projeções do mercado para o IPCA. Uma elevação da inflação agora provocará alta ainda maior dos juros e colocará em risco o incipiente crescimento da economia. kicker: Uma elevação exagerada dos preços dos derivados do petróleo no mercado interno pode reverter a tendência de queda da inflação