Título: Produtores querem nova renegociação
Autor: Lucia Kassai
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/09/2004, Agribusiness, p. B-12

Dívida securitizada é estimada em R$ 32 bilhões; cofres públicos vão arcar com R$ 27 bilhões. Quase dez anos após a secutirização da dívida rural, que beneficiou 850 mil agricultores em todo o País, uma nova megarenegociação está em gestação. Lideranças rurais estão pressionando para que o governo prorrogue - pela terceira vez - o pagamento das parcelas da securitização, sob a ameaça de promoverem um novo calote. Corrigida a valores atuais, a dívida securitizada é estimada em R$ 32 bilhões.

Até hoje, a União já gastou R$ 27 bilhões na equalização das taxas de juros e nos rebates da dívida, que são descontos de até 30% concedidos quando as parcelas são pagas em dia. "Não temos intenção em renegociar a dívida novamente. Não é segredo que os agricultores ganharam dinheiro nos últimos três anos e é justo que agora paguem a dívida", diz Gilson Bittencourt, assessor especial do ministério da Fazenda.

No início deste ano, o Tesouro Nacional e o Banco do Brasil (BB) firmaram convênio para iniciar a cobrança das dívidas que venceram e não foram pagas. As primeiras cobranças começaram a ser enviadas há cerca de dois meses. Em dez anos, é a primeira vez que o governo toma uma atitude jurídica para reaver os valores. "Quem não pagar terá o nome inscrito na dívida ativa da União", diz. A inscrição na dívida ativa é uma espécie de lista negra dos bancos oficiais: o inscrito não consegue mais tomar nenhum tipo de financiamento com o BB ou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na prática, não terá acesso ao crédito oficial, o recurso mais barato de todo o mercado financeiro.

"Seria um escândalo se os produtores não pagassem", diz Guilherme Leite Dias, professor da Universidade de São Paulo. Dias foi secretário de política agrícola e um dos negociadores da securitização. Ele lembra que 2,2% dos agricultores tinham 54% da dívida e respondiam por 75% da inadimplência. "Os grandes devedores têm um enorme poder de negociação. Se uma renegociação sair, a quem você acha que ela vai beneficiar?", questiona.

Embora muito criticada na época, a securitização é apontada como essencial para explicar o nível de excelência que a agricultura goza hoje. A renegociação foi feita em condições vantajosas para o setor. A grande maioria vem honrando seus compromissos em dia e uma parcela aproveitou as boas safras para liquidar a dívida.

Bons e maus pagadores

Das dívidas securitizadas, com valor de até R$ 200 mil, foram realizadas 127 mil operações, das quais 62% já totalmente quitadas ou estão em dia, e 38% estão atrasadas. Para as dívidas renegociadas dentro do Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), o programa especial que contemplou grandes produtores com dívida superior a R$ 200 mil, o quadro é mais alarmante. Das 5,7 mil operações realizadas, a grande maioria (58%) está atrasada.

Os maiores problemas de inadimplência ocorrem no Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso, Goiás e Bahia, justamente estados onde mais se ganhou com a soja nos últimos três anos. Uma das mais recentes tentativas de se prorrogar a dívida envolveu uma medida provisória, a MP 205. Discretamente, a MP recebeu uma proposta de emenda que tem pouco a ver com seu conteúdo. A MP, que trata da equalização da taxa de juros aos financiamentos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) recebeu propostas de alteração que incluem prorrogação de pagamento da dívida rural de produtores de todo País.

Para o deputado Odacir Zonta (PP-SC), um dos autores da proposta, 40% dos grandes produtores não têm condições de pagar em dia. "Se tudo continuar como está, em dois anos pode haver necessidade de uma nova megarenegociação", diz.

"Não podemos negar que o sojicultor ganhou dinheiro. Mas ele produziu e investiu todo lucro na atividade, por isso a maioria não tem condições de pagar." Caso sua proposta de emenda não seja aprovada, Zonta acredita que os produtores terão condições de pagar apenas a parcela da dívida que vence neste ano. "Para o próximo ano, a inadimplência deve crescer vertiginosamente."

Ele reconhece que os agricultores, sabendo do vencimento das parcelas, deveriam ter poupado. "O problema é que muitos enfrentaram seca no plantio e chuva na colheita e tiveram que usar essas economias na própria atividade", diz.

Luiz Hafers, liderança rural, lembra do caso do café, que teve preços baixos nos últimos cinco anos. Ele sugere que nova renegociação seja feito dentro de um programa de garantia de preços e equivalência produto: se o café estiver cotado abaixo do preço mínimo, o produtor tem a opção de entregar a mercadoria para pagar a dívida. Se o preço de mercado estiver maior, o agricultor pode quitar em produto ou em dinheiro. "A renegociação é inevitável. A dívida tem que ser paga, mas o produtor precisa ter condições justas".

"O produtor reclama que em razão da dívida tem pouca capacidade de investir. O mesmo ocorre com o governo: o crédito é pouco porque o governo tem que carregar o custo da securitização e isso limita a capacidade de investimento", diz Dias.