Título: A Melissa hoje...(pág.16)
Autor: Fabiana Gitsio
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/09/2004, Primeira Página, p. A-1
Sandália de plástico faz 25 anos como case de design nacional. Na trama de Gilberto Braga, Melissa estava nos pés de Júlia Matos, a heroína que depois de amargar anos de cadeia deu a volta por cima e teve o visual repaginado, enquanto era reintegrada à sociedade. E também de Glória Pires, então adolescente, no papel de filha da ex-presidiária, de Lídia Brondi e todo o núcleo jovem que circulava pelas areias de Ipanema e pela casa noturna que batizava o folhetim. "Foi o primeiro merchandising de uma empresa brasileira em novela", conta o gerente de marketing Paulo Pedó Filho.
Mesmo assim, ainda era uma marca, de certa forma, com apelo "confidencial". No primeiro ano, o de estréia da novela, a produção não ultrapassou os 100 mil pares (hoje é da ordem de 1 milhão). A boa aceitação inspirou, no entanto, a criação de Melissinha, em 1984, voltada ao público infantil. A campanha na TV era a das trigêmeas ruivinhas, que fez grande sucesso. Dois anos depois, o mercado ganhou os chinelos Rider, com apelo mais masculino.
Na década de 90, com a Melissa posicionada cada vez mais como acessório de moda e menos como calçado de plástico, Melissinha foi descontinuada. É simples: qualquer rótulo de "infantil" ou "baby" atrapalharia a venda junto às garotas, explica Paulo Pedó Filho. "A última coisa que adolescente quer é ser criança", justifica. Melissa abriu precedentes para outras sandálias de plástico que hoje integram o portfólio da Grendene: Gisele Bündchen, Sandy & Junior, entre outras.
Cada vez mais, Melissa foi buscando o público de moda. Teve a parceria de marcas nacionais como Fiorucci (de origem italiana), Yes Brasil, Zoomp e Forum e de dois dos estilistas mais importantes da década de 80 no cenário mundial, os franceses Thierry Mügler e Jean-Paul Gaultier. Na metade dos 90, época das supermodelos, a escolhida para a campanha foi a alemã Claudia Schiffer, da geração que não se levantava da cama para trabalhar, por cachê menor que US$ 5 mil.
Ao mesmo tempo, Melissa oscilava com uma certa obscuridade. Quando o plástico esteve em alta, as vendas acompanhavam. Quando a tendência era couro, perdia em prestígio por estar associada a baixo preço. A Grendene percebeu, então, que era preciso agregar imagem ao produto. O reposicionamento da marca começou em 1996. Melissa passou a ser tratada com o status de empresa à parte dentro da própria Grendene.
Com a retomada, Melissa, que representa apenas 5% do faturamento da Grendene, deixou de ser um sapato, virou acessório de moda, em que não faltam derivados como botas, bolsas, mochilas, carteiras, chaveirinhos. "É um estado de espírito", gaba-se Pedó. Como sandália, pode conviver, sim, com tênis e sapatos de couro - itens dos quais a adolescente e a jovem de até 25 anos não abre mesmo mão. A medida mais drástica foi abandonar as lojas de calçados. Exigente, a sandália hoje só aceita os bons lojistas de moda.
"Melissa fica muito melhor quando está exposta com roupas", acredita Pedó Filho. A idéia de uma loja própria com a marca foi descartada justamente por não existir um vestuário Melissa. No Brasil, a sandália é vendida em 2 mil pontos de venda. A redução foi quase pela metade. Ficou mais cara (o modelo mais barato custa R$ 40 e o mais caro, R$ 110). Também o número de pares foi reduzido: em 1996, cerca de 1 milhão e meio de pares eram produzidos.
A publicidade também deixou de ser massiva. Hoje, TV não interessa tanto como mídia. A verba de marketing, que a empresa não revela, é direcionada para publicações jovem e voltada ao público teen (Capricho, Toda Teen, Trip, TPM). Aproximadamente 20% do orçamento é destinado aos eventos de moda. A semana de moda mais importante do País, a São Paulo Fashion Week é tratada como prioridade, com ações importantes a cada edição (duas vezes por ano). Eventos, de outras capitais também merecem atenção, como o de Fortaleza.
Há dois anos, com as incursões entre o chamado público fashion, a maior certeza de que as sandalhinhas de plástico não poderiam depender das oscilações do plástico. A parceria com os estilistas amadureceu. Alexandre Herchcovitch, com projeção local e no exterior, passou a vender os modelos assinados por ele em sua própria loja e entre sua clientela multimarca. Idem, Marcelo Sommer. No cenário fashion mundial, as parcerias mais importantes foram com os designers de calçados Patrick Cox e Stephan Kelian. "São personalidades que agregam valor ao produto", diz Pedó.
As cifras são mantidas em segredo, mas os brasileiros ganham royalties sobre cada par vendido. Se essas linhas especiais não representam tanto em volume, é quantidade, segundo Pedó, mais do que adequada e com apelo consonante aos novos tempos da Melissa. "A diferença é que hoje vendemos um objeto de design, não mais um utilitário", destaca Pedó. No caso da parceria com os Irmãos Campana, a idéia foi reforçar o compromisso de ser um produto brasileiro - embora europeu nos primórdios. Também ajuda na imagem no exterior, já que são os designers moveleiros mais reconhecidos internacionalmente.
As exportações começaram há quatro anos. Hoje, são 80 países. Os Estados Unidos são o mercado mais importante, na seqüência quase toda a América Latina, com destaque para a Argentina. No começo, não havia tanta seletividade na escolha dos pontos de venda. Aos poucos, a estratégia internacional tornou-se similar à prática local. A famosa rede de moda jovem norte-americana GAP, por exemplo, encomendou modelos aranha.
A loja de departamentos inglesa Selfridges também é cliente de Melissa. No evento Brazil 40 graus, realizado pelo magazine no primeiro semestre, as sandálias fizeram sucesso: foram 2 mil pares vendidos. Melissa está em mercados como o da Arábia Saudita, no Japão (país conhecido por sua fome fashion e que é importante formador de tendências), por todo o sudeste asiático e Austrália.
O site de Melissa já recebeu a visita de 400 mil meninas. Boa parte delas, 120 mil, são cadastradas. "Temos uma relação muito forte com nosso consumidor. " Em tempo: Melissa foi nome escolhido ocasionalmente, por sua sonoridade.