Título: Uma opção decisiva de política pró-crescimento
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/09/2004, Opinião, p. A-3

A decisão do governo Lula de recorrer à política fiscal, mediante a elevação da meta do superávit primário, em vez de prosseguir no manejo solitário dos juros pelo Banco Central, como monoinstrumento de política econômica, como vinha fazendo até agora, contém no seu eventual desdobramento conseqüente implicações de suma importância para uma mudança substancial no desempenho futuro da economia e para a colheita esperada de dividendos políticos com vistas à reeleição.

Pode tratar-se de uma benfazeja evolução em relação à política econômica do governo anterior, perseguida teimosamente até agora, a despeito dos evidentes resultados inócuos em termos de geração de emprego e sustentabilidade do crescimento. Se esse diagnóstico estiver correto, como assumem analistas e empresários que denunciam o desequilíbrio na condução dos negócios nacionais entre o excesso de autoridade monetária e a carência de "autoridade produtiva" - na expressão do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf -, é provável que o governo Lula ainda encontre tempo de se redimir da pecha de mediocridade e tibieza de resultados que ameaçam caracterizar o seu quadriênio à frente da administração federal. Ante a firmeza com que o ministro da Fazenda Antônio Palocci admitiu a possibilidade de voltar a intensificar a contenção das despesas de custeio, pode dizer-se que, agora sim, se deu o primeiro passo para a reconstrução das condições de sustentabilidade do crescimento.

A opção por conter o gasto governamental, que contribui com o regime de metas de inflação, apresenta-se como diretriz, para assegurar a estabilidade, menos traumática do que o desestímulo ao investimento privado e ao consumo das famílias, preconizado pelo Banco Central. A prática das taxas de juros mais elevadas do mundo apresenta resultados imediatos, é verdade, mas a um custo social que se tornou políticamente insustentável, por promover um estado crônico de inflação associada a recessão, que já dura dez anos. Com exceção dos eventuais beneficiários rentistas da ortodoxia monetarista perseguida até agora, ninguém mais admite dissociar ou seqüenciar os desafios da estabilidade e do crescimento. Ambos devem ser assumidos como concomitantes - e é para essa direção que aponta a aparente diretriz do governo de intensificar o corte nos gastos públicos sempre que o excesso de arrecadação tributária o permitir. É dizer que a política fiscal passa a assumir um caráter anticíclico, tornando-se coadjuvante da política monetária ao dispensar o Banco Central de elevar a taxa de juros.

A importância da nova diretriz está em que metas mais robustas de superávit primário abrem espaço para a queda persistente na taxa de juros. Ao utilizar os recursos assim obtidos no serviço e na amortização da dívida, o governo reduz a pressão sobre a exação tributária e sobre a poupança privada mediante a emissão de títulos e pagamento de juros, expedientes a que recorre para financiar o gasto público. Assim procedendo, desobstrui o caminho para a recomposição da poupança pública, necessária como contrapartida governamental nos investimentos em infra-estrutura.

Solução óbvia, é graças a ela que o governo Lula pode vislumbrar, enfim, a oportunidade de retomar do Banco Central a primazia na condução da política econômica, cujos excessos de ortodoxia simplista são responsáveis por manter o Brasil em último lugar em 2004, com o pior desempenho em termos de crescimento, entre os países em desenvolvimento, segundo as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgadas ontem.

Há dez anos a política econômica tem-se caracterizado por desarticular, como momentos distintos, os desafios da estabilidade e do crescimento, assentada no pressuposto de que a estabilidade deve preceder o crescimento. Como resultado, tem produzido estabilidade fugaz à custa da asfixia do crescimento. Recorre para tanto à elevação dos juros como forma de atrair capitais e de controlar a inflação. A elevação dos juros provoca, em cadeia, a expansão da dívida pública, a demanda de recursos adicionais para financiá-la, competição por recursos, aumento da pressão tributária, desestímulo ao investimento privado, erosão do poder de compra das famílias, contenção da demanda, queda da produtividade, pressão de custos - e elevação dos juros novamente, com o conseqüente aumento da dívida pública, ao se reiniciar o círculo vicioso. É assim que o Estado, de agente indutor do crescimento, converteu-se em seu agente inibidor.

O remédio quase matou o doente. Trata-se agora de reabilitá-lo, mediante a adoção de diretrizes pró-crescim kicker: Metas robustas de superávit levam à queda na taxa de juros, graças à redução da demanda por recursos para financiar a dívida