Título: Má conduta na Embrapa
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2011, Economia, p. 11

IRREGULARIDADE

Reconhecida no Brasil e fora do país pelo sucesso no campo do desenvolvimento científico, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vem se deparando com práticas nada edificantes de alguns de seus funcionários, sobretudo os da área jurídica. Apesar de receberem salários regiamente em suas contas, todos os meses, para defender os interesses da estatal, não cumprem o expediente. Em vários dias, é possível encontrá-los em escritórios próprios, tocando processos contra a União.

É o caso do advogado Antônio Marques da Silva. Pelo contrato de trabalho assinado com a Embrapa, sua carga de trabalho diária vai das 8h às 12h e das 13h às 17h. Mas, raramente, ele aparece na empresa para fazer jus a seu salário. Em compensação, bate ponto quase todos os dias em seu escritório particular, em um prédio comercial no Setor de Indústria e Abastecimento, em Brasília, onde foi flagrado, pelo Correio. Ao longo de toda a manhã da última terça-feira, permaneceu no local, saiu por volta do meio-dia para o almoço em um restaurante ao lado e retornou ao escritório, sem cerimônia.

Marques não mede esforço para encontrar argumentos contra a União e tirar recursos dos cofres públicos por meio de pedidos de indenizações, a maioria, trabalhistas. Somente nos processos aos quais o Correio teve acesso, e em que ele é o titular, cobra R$ 280 mil. Ao ser questionado sobre a jornada dupla e a respeito das ações judiciais, o advogado negou conflitos de interesses. Disse que só comparece a seu escritório na hora do almoço. Quanto aos processos, afirmou: ¿Tinha algumas ações, mas desde que entrei na Embrapa, repassei-as a outros advogados¿.

Contratado pela Embrapa em regime celetista (com carteira assinada), desde o fim de 2008, Marques admitiu que parte das ações continua sendo defendida por seu escritório, mas ele é representado por outro profissional. Processos consultados na Seção Judiciária do Distrito Federal, no entanto, ainda levam o nome do advogado como responsável pelo apoio a autores que batalham na Justiça contra a União. Muitos dos documentos, com valores entre R$ 30 mil e R$ 100 mil, individualmente, foram lavrados em 2009 e 2010, já com Marques na estatal.

Além de lesar os interesses e os cofres do governo, a conduta é conflitante com o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que, a despeito de permitir o livre exercício da advocacia a profissionais contratados pela administração pública, impede a prestação de serviço na defesa de processos contra o governo. A única hipótese de o funcionário agir contra a União é quando a Embrapa é a autora do processo. Segundo fontes ligadas à assessoria jurídica (AJU) da empresa, a prática ocorre com o consentimento dos responsáveis pela área.

O chefe da AJU da Embrapa, Antônio Nilson Rocha, alegou que a transferência de ações entre os advogados ¿ conhecida no jargão do Direito como subestabelecimento ¿ demora a aparecer nos registros dos tribunais. ¿Às vezes, o nome do advogado que entrou com o processo permanece por muito tempo, o que leva a crer que ele ainda é responsável¿, afirmou. Entretanto, admitiu que dois dos processos apresentados pelo Correio só foram repassados por seu subordinado a outro advogado na última quarta-feira (30). ¿Verifiquei dois números (de ações) e ele (Marques) me trouxe os comprovantes de subestabelecimentos, feitos ontem (quarta)¿, afirmou. Ele garantiu que não tinha conhecimento das irregularidades. ¿Não convivemos com nenhum princípio de ilegalidade e não aceitamos qualquer situação que sequer possa parecer ilegal.¿

Ato incomum A advogada Andreia Antonacci, consultora trabalhista e previdenciária do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), afirmou que é incomum a manutenção, no processo, dos nomes de advogados que ajuizaram ações e as repassaram adiante. ¿O máximo que pode acontecer é continuar aparecendo o nome do primeiro, junto daquele que recebeu o processo posteriormente¿, disse.