Título: O dilema dos combustíveis
Autor: Klaus Kleber
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/10/2004, Opinião, p. A-3

Deixar para depois o reajuste dos derivados é dor de cabeça. Pelo que se constata, teremos segundo turno em São Paulo e na maioria dos grandes centros do País. Em quase todos, candidaturas do PT estarão em jogo. A questão econômica conjuntural diante do pleito é simples: não se trata de saber se o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) vai ou não elevar a taxa básica de juros em sua reunião marcada para 19 e 20 de outubro, em plena campanha do segundo turno. Isso parece favas contadas.

Elevar a taxa Selic é, aliás, uma boa oportunidade para o BC marcar posição como órgão técnico e "apolítico". É uma chance que, tudo parece indicar, os dirigentes do BC, que defendem autonomia operacional do órgão, não perderão. Um aumento dos juros repercutirá mal, mas politicamente pode ser neutralizado. O próprio clima eleitoral contribuirá para amenizar a tensão pré e pós Copom, para usar a expressão do presidente Lula.

O problema é o reajuste dos preços dos derivados de petróleo. Há semanas as cotações internacionais vêm rondando a casa de US$ 50 e essa marca já foi ultrapassada. E não será de uma hora para outra que a paz voltará a reinar nesse mercado. Como havia dito o presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, o aumento dos combustíveis não saiu antes do primeiro turno. O segundo está marcado para 31 de outubro e esperar até lá para reajustar os preços dos combustíveis pode acumular mais prejuízos. Se a alta dos juros pode ser absorvida, o aumento dos combustíveis, mexendo com o bolso do consumidor, tenderá a influir contra os candidatos do PT.

Claro, tudo vai depender do tamanho do reajuste. O governo Lula tem evitado aumentos cavalares de combustíveis até agora. Mas a multinacional Petrobras tem acionistas e não pode fugir da realidade externa. Fato inescapável é que o petróleo subiu de patamar. O custo em divisas para o Brasil vem subindo mês a mês. Em agosto, a Petrobras gastou US$ 617 milhões com importação de petróleo, a um preço médio US$ 42,24 por barril, um salto de 38,3% em relação ao preço médio pago pela empresa em agosto do ano passado (US$ 30,53 o barril). Não é, porém, a questão cambial que preocupa. A Petrobras também exporta petróleo e seu gasto líquido, de janeiro a agosto deste ano, é de US$ 1,3 bilhão (importações de US$ 4,4 bilhões e exportações de US$ 3,1 bilhões).

O grande risco são as repercussões inflacionárias, tanto internas, como externas, como disse o ministro Antonio Palocci, ao retornar da reunião do FMI. Na pior das hipóteses, a desabalada subida do petróleo poderia precipitar até uma recessão de âmbito mundial.

Por conveniência político-partidária, o governo pode optar por elevar os preços dos combustíveis só depois do segundo turno. Mas se o fizer, o aumento não será pequeno. E esta será mais um justificativa para as sucessivas altas de juros pelo Copom. Por mais que se diga que reajuste de combustíveis, em razão de uma nova realidade internacional nada tem a ver com a política monetária, dificilmente o BC comprará essa tese.