Título: Chegada do PT ao poder expõe rachaduras
Autor: Janaína Leite
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/10/2004, Nacional, p. A-4

A greve dos bancários trouxe aos holofotes a divisão dessa categoria profissional no movimento sindical e reavivou uma questão discutida desde a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder ¿ até onde é bom para uma categoria que seus representantes sejam próximos ao governo? No caso dos bancários, por exemplo, a briga envolve a Executiva da Confederação Nacional dos Bancários (CNB), alinhada com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao PT, e a ala radical, ligada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Os radicais acusam a Executiva de não se empenhar para cobrar dos patrões ¿ inclusive do governo, dono das maiores instituições do país, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal ¿ uma posição a favor dos grevistas.

"Esse povo antigo se relaciona melhor com o outro lado, o dos banqueiros, do que com as bases. Não há legitimidade dos atuais dirigentes, mais próximos do governo. Isso é um problema, porque nos enfraquece", disse Dirceu Travesso, integrante da diretoria do Sindicato dos Bancários de São Paulo e filiado ao PSTU. "Visões diferentes não invalidam o fato de querermos o melhor para a categoria. O sindicalismo, para ter sucesso hoje, precisa mais do que nunca privilegiar a negociação", disse o presidente da CNB, Vagner Freitas.

A preocupação com mudanças no perfil e no projeto político da central sindical não vem de agora. Em junho de 2003, ao fazer um trabalho sobre os delegados da CUT, o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Cesit) observou que a participação da base no último congresso da entidade foi reduzida. Segundo a pesquisa, apenas 6,7% dos dirigentes ¿ com direito à voto, portanto ¿ que participaram do evento eram diretamente vinculados a algum tipo de organização sindical no próprio local de trabalho.

Somados esses dirigentes, os delegados de oposição sindical e aqueles que não possuem cargo de direção, o percentual bate 16%, muito abaixo dos números verificados no passado. Em 1988, por exemplo, os delegados de base chegavam a 51% do total. "Cada vez mais a CUT é organizada pela liderança sindical", conclui o economista Claudio Salvadori Deddecca, um dos autores do estudo. "Mesmo que a representatividade das outras tenha crescido, a CUT é, sem sombra de dúvida, a central sindical com maior legitimidade neste país. O critério para medir isso é usado em todo o mundo: o número de sindicatos filiados à ela", rebate o coordenador do Fórum Nacional do Trabalho, Osvaldo Bargas.

Um dos criadores da CUT, Bargas é hoje também secretário das Relações do Trabalho do governo. Ele disse que a CUT passou por muitas mudanças com o objetivo de adequar o discurso às sucessivas realidades. "A CUT nasceu contestatória, em um regime de exceção. Hoje a prática deve ser mais propositiva. A tendência é de a Central ficar cada vez mais conectada com um papel de porta-voz do conjunto amplo da sociedade", argumentou Osvaldo Bargas.

Para o professor José Dari Krein, outro autor da pesquisa feita na Unicamp, é muito cedo para saber se os radicais ganharão espaço perene no movimento sindical. "Por enquanto, é possível perceber apenas que esse movimento revela a necessidade de afirmar sua autonomia perante o governo", disse Krein. "Onde não há autonomia é falência. Mas o discurso radical só encontra guarida em um momento de conflito. Passado esse período, acaba se perdendo", disse Bargas.

A reforma sindical e trabalhista entra em uma nova fase este mês. Até o próximo dia 15, o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, receberá o texto que vai servir como base para a proposta de emenda constitucional (PEC) e o anteprojeto de lei que tratam do assunto. A intenção do governo é ter esses projetos votados pelo Congresso após o segundo turno das eleições municipais deste ano. A PEC e o anteprojeto alteram vários artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O principal ponto é a regulamentação do direito de greve ¿ inclusive nos serviços essenciais e público.

Há ainda a criação do "ato anti-sindical", que prevê punição para os patrões que tentarem impedir que os empregados desenvolvam ações sindicais. Em contrapartida, imputação de crime cível no caso de abuso do direito de greve será prevista de forma clara. Os trabalhadores que atuam em serviços essenciais, por exemplo, serão obrigados a avisar os empregadores com 72 horas de antecedência para poderem cruzar os braços. Patrões e grevistas deverão alertar a sociedade sobre a paralisação com antecedência de 48 horas.

As negociações gerais sobre a reforma sindical terminaram em abril. De lá para cá, a discussão ficou por conta das câmaras setoriais, que estudam as legislações específicas para trabalhadores rurais, servidores públicos, portuários, aquaviários, profissionais liberais, aposentados e trabalhadores do setor de transportes.