Título: Tecnologia e carga tributária
Autor: Hugo Ferreira
Fonte: Gazeta Mercantil, 05/10/2004, Opinião, p. A-3

A indústria da mobilidade experimenta em todos os seus ramos uma expansão significativa. Fala-se em romper o recorde de produção da indústria automotiva neste ano (2,1 milhões de unidades), assim como em bater o recorde de exportação (US$ 6,9 bilhões estimados para 2004, 25% a mais que em 2003). Essas notícias são boas para todos e significam que o mercado reage positivamente. Isso se reflete, no entanto, em novos desafios, principalmente para as áreas de engenharia que, normalmente, são incumbidas de encontrar soluções para produzir com mais eficiência, melhor qualidade e menores custos.

Assim, novos produtos são desenvolvidos com materiais mais leves, resistentes e fáceis de moldar, com qualidade idêntica ou superior e menor custo. Além disso, novos processos são criados com o objetivo de reduzir o tempo de desenvolvimento e de produção. Tudo para atender a um mercado cada vez mais competitivo.

Com isso, o consumidor ganha ao dispor de produtos inovadores, desenvolvidos e manufaturados com alta tecnologia. O custo dessa tecnologia é muito debatido entre os representantes do setor, pois de nada adianta desenvolvê-la se os consumidores não têm como pagar. Assim, a indústria tem feito sua parte, mas isso ainda não é o bastante para dar continuidade ao crescimento. O Brasil fabrica atualmente um dos carros mais baratos do mundo, quando sai da fábrica, e um dos mais caros na conta do consumidor.

É preciso, então, verificar o que torna o automóvel brasileiro caro para a população, e um dos motivos que chama atenção é a excessiva carga tributária sobre os produtos da indústria automotiva.

Hoje, compra-se um automóvel pelo preço de dois. Um fica com o governo e o outro leva-se para a garagem. Esse tem sido o foco dos debates das entidades de classe como Anfavea e Sindipeças no embate com o governo.

Assim, fica difícil pensar em colocar mais tecnologia nos carros enquanto não for feita uma reestruturação nas cargas tributárias, e isso é, infelizmente, uma contestação terrível. Já se fala, inclusive, que só resta a volta ao tempo das carroças do Collor. Ninguém quer que aconteça, mas o mercado estabelece regras, e atualmente o preço é mandatário. Não há consumidores suficientes para justificar a implementação das mesmas tecnologias vistas nos Estados Unidos, Europa e Japão.

É uma equação que precisa ser feita. O Brasil tem um produto competitivo, capacidade instalada, conhecimento e, no entanto, o produto chega caro ao consumidor. E não é só a penalização dos impostos sobre os veículos. Existe também o baixo poder aquisitivo. É possível dobrar o poder de compra do trabalhador, sem afetar o custo das empresas com a folha de pagamento, se fosse feita uma redução dos encargos trabalhistas, a exemplo do que existe nos Estados Unidos. É mais um nó existente na cadeia produtiva que precisa ser desatado.

O que a indústria pode fazer para ajudar com essa equação? Os avanços obtidos na engenharia de processos têm como objetivo reduzir custos, deixar os produtos mais competitivos e condensar parte dos encargos elevados. São investimentos em manufatura.

Na parte de solda já existem processos moderníssimos que apresentaram progressos fantásticos na velocidade, no custo e na resistência de vida do processo que permitiu juntar materiais de diferentes conteúdos, sem afetar a qualidade do produto final. É uma tecnologia que se espera venha a chegar ao Brasil até o fim da década, mas já está em vasta aplicação nos EUA e Europa.

Outro exemplo é o uso da tecnologia de hidroformação, que tem sido usada fortemente na parte estrutural dos veículos. É um investimento alto, uma tecnologia nova que provavelmente também tende a ser aplicada aqui, principalmente na parte de chassis e em componentes estruturais em geral. Esse processo envolve a aplicação de pressão de fluidos ao interior de uma peça tubular em bruto, presa dentro de uma matriz que definirá o formato da peça acabada. Em seguida, aumenta-se a pressão do fluido interno para forçar a peça em bruto a expandir-se dentro da matriz e assumir, assim, o formato da peça acabada.

Essas e outras tecnologias poderão ser conferidas no Congresso SAE Brasil 2004 - que acontece de 16 a 18 de novembro, em São Paulo -, um rico fórum onde os engenheiros das áreas automotiva e aeroespacial discutirão os aspectos que são cruciais e fundamentais para a continuidade do ritmo de expansão produtiva e crescimento de mercado.

O congresso trará contribuições importantes, pois convida os ícones da cadeia de suprimento para debater temas palpitantes, e eles terão a oportunidade de discutir os aspectos que preocupam e, a partir daí, tirar dúvidas sobre como se sustenta um período de crescimento como o que é desejado por toda a indústria e prometido pelo governo. Tudo centrado no tema "Tecnologia e Negócios - Crescimento e Competitividade nas Áreas da Mobilidade".

kicker: "No Brasil, compra-se um automóvel pelo preço de dois: um fica com o governo"