Título: Falta de quórum emperra votação
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 05/10/2004, Política, p. A-8

Representantes do governo e da oposição admitem a possibilidade de o Senado fracassar mais uma vez na tentativa de votar os 165 destaques à Reforma do Judiciário, cujo texto básico foi aprovado pelo plenário, em primeiro turno, em julho. A matéria está na pauta de hoje. Durante os esforços concentrados de agosto e setembro, sequer foi mencionada pelos partidos. A desculpa apresentada foi a falta de quórum, que no caso de uma proposta de emenda constitucional (PEC), como a reforma, é qualificado.

Isso significa que são necessários para a aprovação da PEC os votos de pelo menos 49 dos 81 senadores. De acordo com a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), são grandes as chances de a falta de quórum imperar nas semanas das eleições municipais. Ideli diz que a posição oficial do governo e da base aliada é tentar votar a Reforma do Judiciário desde que, além do quórum qualificado, haja uma margem de segurança -cerca de 60 senadores no plenário. Relator da proposta, o senador José Jorge (PFL-PE) demonstra pessimismo.

Ele afirma que ainda não há acordo para votação da PEC. E que não haverá quórum porque, entre outros motivos, o governo não se empenha em garantir a presença dos senadores em Brasília. "Se quisessem garantir quórum, atuariam como no caso do salário mínimo", declara o senador, referindo-se ao sucesso do governo ao restabelecer na Câmara o aumento do mínimo em R$ 20, e não em R$ 35, como aprovado pelo Senado.

Segundo José Jorge, o governo mobilizou jatinhos e ministros e liberou emendas parlamentares a fim de assegurar a presença de deputados no plenário da Câmara às vésperas do feriado de São João. "A Reforma do Judiciário não é uma prioridade", afirma o pefelista. O secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault, discorda. E diz que a PEC será aprovada tão logo o quórum do Congresso volte à normalidade. Renault tentará com os destaques modificar pelo menos quatro pontos da PEC. O mais polêmico deles dá ao Supremo Tribunal Federal (STF) poder para editar súmula com efeito vinculante sobre os órgãos do Judiciário e da Administração Pública. Para os magistrados, o mecanismo desafogará a Justiça, pois obrigará as instâncias inferiores a seguir as decisões do STF. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, considera, no entanto, que ela engessará a primeira instância, principal responsável por reformar o entendimento dos tribunais.

Renault admite que as chances de êxito do destaque são remotas. Mas trabalhará para que pelo menos a Administração Pública não fique vinculada à súmula, por uma razão econômica. Se uma decisão favorável ao setor produtivo contra a União for "sumulada", o governo terá de pagar o esqueleto de uma tacada só, e não a conta-gotas, ou ao final de cada processo isolado, como ocorre atualmente.

Outro destaque do governo visa a derrubar a proibição imposta às entidades de direito público de utilizar a arbitragem. Executivo e iniciativa privada já usam esse mecanismo em setores como o de petróleo e de telecomunicações e o incluíram no projeto de Parceria Público-Privada (PPP). "A proibição seria muito complicada para os investidores estrangeiros. Ela iria contra toda a tendência do direito moderno", diz Renault.

Outros dois destaques governistas estão relacionados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja composição garantirá o chamado controle externo do Judiciário. Um deles tenta restituir a competência do CNJ para determinar a perda de cargo de juízes envolvidos em irregularidades. Tem pouca chance de aprovação, segundo Renault. O outro considera o CNJ parte do Judiciário. Trata-se de um movimento estratégico, destinado a enfraquecer a alegação dos tribunais superiores de que o CNJ fere o princípio da independência entre os poderes.