Título: "Alca pode ser retomada após eleição"
Autor: Claudia Mancini
Fonte: Gazeta Mercantil, 05/10/2004, Internacioal, p. A-10

Para ministro Celso Amorim, não é ideologia que está emperrando discussão hemisférica. A dificuldade do Brasil de negociar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) nada tem a ver com ideologia, disse ontem o chanceler Celso Amorim a representantes do setor privado. Na platéia havia quem ache que ideologia está ajudando a emperrar a negociação. Para Christian Lohbauer, por exemplo, gerente de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o governo parece achar que a Alca é anexação. Antes de ser eleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a Alca era uma política de anexação e teria seu apoio se houvesse igualdade de negociação, referindo às economias ricas, em especial os Estados Unidos.

A negociação da Alca está emperrada e avançou muito menos do que a com a União Européia (UE). A hora de retomar a discussão hemisférica é após a eleição presidencial nos EUA, em 2 de novembro, afirmou Amorim. Mas disse que interessa uma discussão com foco em acesso a mercados, sem tentativas de se adotar algumas normas diferentes daquelas da Organização Mundial do Comércio (OMC) - pressão que os EUA têm feito -, e que seja uma negociação 4 + 1 (Mercosul + EUA). "É muito bonito pensarmos em 34 países do hemisfério", afirmou. Porém, é preciso reconhecer que há diferenças entre eles, completou. O Brasil quer a aplicação do acordo fechado em Miami em 2003, pelo qual a Alca teria um acordo básico para todos e, a partir daí, os países fazem entre si acordos com quem, e na profundidade, que quiserem.

Sobre a questão ideológica, o ministro perguntou: "O que tem de ideológico querer ter uma política industrial, uma política que possa preservar instrumentos de índices de desempenho, ou de índice de nacionalização em alguns casos? Isso não tem nada de ideológico", afirmou, ao participar de um seminário realizado pela Câmara Americana de Comércio (Amcham). Nas negociações internacionais, o Brasil busca ter margem de manobra para aplicar esse tipo de política. Segundo ele, o Brasil aceita negociar a Alca e com a UE da mesma maneira. Mas não quer discutir, no âmbito bilateral, normas que possam ser discutidas na OMC. "O que tem isso de ideológico?"

E rebateu críticas de que o governo dá ênfase excessiva a acordos com outros mercados menores, como os da Índia, China e África, dizendo que a intenção que não é que substituam os dos EUA e UE. Para o presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Marcos Jank, o foco é excessivo e o governo está trocando o certo - as economias ricas - pelo incerto. Mesmo na OMC, afirma, não há certeza sobre todos os ganhos possíveis. Para Pedro de Camargo Neto, consultor da Sociedade Rural Brasileira, falta vontade política do Brasil, dos EUA e da UE para se fechar os acordos em discussão.

"O problema de negociar com os Estados Unidos e com a União Européia é que tudo que temos interesse é sensível (para eles)", afirmou. E como ambos têm tarifas de importação baixas para boa parte dos produtos, a redução delas traz vantagens pequenas para o Brasil, completou.

A falta de um acordo com a UE e os EUA, afirmou Jank, pode ter o custo de o Brasil perder mercado para outros países que façam acordos com aquelas economias. Essa possibilidade está sendo considerada pela fabricante de embalagens Dixie Toga, em seus estudos sobre montar unidades no Chile e no México, que têm acordos com os EUA, disse Sérgio Haberfeld, cuja família é proprietária da empresa.

O ex-embaixador do Brasil, Rubens Barbosa, afirmou que fora os acordos em negociação, há possibilidades de aumento das exportações pelo Brasil. Isso inclui melhor uso de preferências tarifárias concedidas pela UE e EUA, mas não plenamente usadas. Marcos Troyjo, presidente Internacional da Gazeta Mercantil, afirmou que além de negociar esses acordos, o País precisa formar diplomatas empresarias e estabelecer estratégias corporativas, em especial para empresas de menor porte.