Título: "A pauta é de otimismo", diz Mantega
Autor: Daniel Pereira e Luciana Otoni
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/10/2004, Nacional, p. A-6

Segundo o ministro do Planejamento, 2005 será marcado pelo investimento em infra-estrutura. O ano de 2005 será marcado pela consolidação dos investimentos em infra-estrutura no País. A avaliação é do ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega, um dos principais defensores do projeto que institui as Parcerias Público-Privadas (PPPs), em tramitação no Senado. "O que se discute é se o Brasil terá ou não infra-estrutura para fazer face a esse crescimento, que é uma realidade. Tenho que estar otimista porque a pauta é a do otimismo", disse o ministro Mantega em entrevista exclusiva a este jornal.

"Quando se discute problema de crescimento é sinal de que estamos em uma fase boa. Ruim é quando discutimos problemas da crise, como superar a inflação, como enfrentar o desemprego", acrescentou. O ministro mostrou-se otimista com o desempenho da economia no futuro e a reafirmou a intenção do governo de manter a meta de superávit primário (receita menos despesas, exceto gastos com juros) de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano. Uma eventual elevação da meta de economia fiscal em 2005 dependerá de uma expansão do PIB superior a 4%.

"O aumento da meta de 4,25% para 4,5% (neste ano) é um ensaio geral para o que poderia ser um regime anticíclico", comentou Mantega. "Pode-se vir a fazer um superávit mais alto (em 2005), desde que isso não prejudique os programas de investimentos", reforçou. O desejo do governo, disse o ministro, é reduzir a taxa básica de juros, se houver condições favoráveis. "Não vamos forçar a barra. Não vamos cometer nenhuma irresponsabilidade", salientou.

Comentários sobre política

Mantega também disse não ser necessário ao Brasil renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas lembrou que o fim do acordo acarretará a necessidade de recomposição das reservas internacionais. Para o fim de 2004 e de 2005, o Banco Central projetou as reservas líquidas do País em US$ 20,6 bilhões e US$ 18,3 bilhões, respectivamente.

Na política, os comentários pessoais do ministro sinalizam como parte do PT interpretou a dianteira de 8 pontos percentuais de José Serra (PSDB) sobre a prefeita Marta Suplicy (PT) no primeiro turno das eleições em São Paulo. "A Marta tem o que mostrar, e o Serra, não. Minha interpretação é que houve voto útil no Serra", avaliou o ministro. A seguir, os principais trechos da entrevista do ministro Mantega.

Crescimento

A economia está em expansão, o emprego está de volta, o nível de renda começa a subir e a massa salarial aumenta. O que se discute é se o Brasil terá ou não infra-estrutura para fazer face a esse crescimento, que é uma realidade. Tenho que estar otimista porque a pauta é a do otimismo. Quando se discute os problemas do crescimento é sinal que estamos em uma fase boa. Ruim é quando discutimos problemas da crise, como superar a inflação, como enfrentar o desemprego... Não existe crescimento sem problemas, e o País precisa saber enfrentá-los.

Investimento em infra-estrutura

Até o fim deste ano vamos oferecer concessões de novos lotes de estradas, estamos fazendo uma ação emergencial em 11 portos com recursos do setor público e o Ministério dos Transportes tem feito uma ação de recuperação das rodovias (Plano Safra). Não estamos de braços cruzados. No setor de energia, haverá estímulo ao investimento com esse novo modelo. E, com a aprovação das PPPs, vamos impulsionar várias ferrovias de grande porte e ampliar os grandes portos. Haverá um somatório de ações: concessões, investimento direto do Estado e as PPPs. O que nos interessa é atrair o investimento privado.

Cenário para 2005

O próximo ano será de consolidação, no qual haverá a germinação de vários investimentos em infra-estrutura. Mas já há investimentos espontâneos como nas ferrovias. Com o `boom¿ do comércio exterior, as ferrovias começaram a se tornar mais lucrativas e passou a haver uma demanda por transporte ferroviário. Os próprios concessionários se animaram e negociam com o governo algumas facilidades e eliminação de gargalos.

Crescimento continuado

Não estou satisfeito com 4% de crescimento, e o Brasil tem condições de viabilizar uma taxa de 6% ou mais. É um dos poucos países, ao lado dos países asiáticos, que têm a possibilidade de ter uma expansão acelerada. Temos capacidade ociosa em vários segmentos. Na área financeira, temos R$ 440 bilhões de recursos ociosos que poderiam ser transformados em crédito, ou seja, os bancos brasileiros estão em baixo nível de alavancagem. Há mão-de-obra abundante e altamente qualificada, o País tem uma estrutura produtiva moderna, sem falar das condições macroeconômicas - dívida externa em queda em relação às exportações e contas públicas equilibradas.

Acordo com o FMI

Não vejo necessidade de renovação do acordo. Mas é claro que o Brasil vai ter que recuperar as reservas. Porque, quando se termina um acordo, é preciso devolver os créditos. Então, o Brasil terá que recompor as reservas de uma outra maneira. Em parte, simplesmente comprando moeda forte, e isso o governo tem feito, continuando a ter saldos comerciais e mantendo o desempenho externo, porque hoje o que nos dá fôlego para o crescimento sustentável é a satisfação inédita do balanço de pagamentos.

Variáveis macroeconômicas

Nos últimos 20 anos, nunca vi uma convergência tão positiva de fatores: o Brasil cresce reduzindo sua vulnerabilidade externa, tendo um excelente desempenho no exterior, diminuindo a dívida pública, com a inflação sob controle e com equilíbrio entre oferta e demanda. E isso porque o crescimento se dá com expansão dos investimentos.

Preço internacional do petróleo

O petróleo preocupa, assim como preocupa o déficit americano. Se formos procurar pontos problemáticos no circuito internacional, vamos encontrar vários: há crises políticas, problemas no Iraque e outros temem a questão do petróleo. Por enquanto, diria que o cenário está favorável e as previsões para a economia mundial são favoráveis. É claro que sempre temos que estar com um olho no presente e outro no futuro, mas não vamos sofrer antecipadamente. É claro que um dia o preço das commodities vai cair, mas temos que fazer esforço para substituir uma parte das commodities por produtos de valor agregado. O governo não está parado, está olhando para frente com a política industrial. No momento estamos bem e estamos conseguindo atrair a atenção dos investidores.

Investimentos externos

Há um cenário favorável ao desenvolvimento do comércio, e isso o Brasil tem aproveitado. Mas não há um cenário favorável ao aumento do investimento estrangeiro direto porque houve um encolhimento no mundo todo. Encolheu 50% nos Estados Unidos em comparação a anos recentes e na América Latina algo como 20% em relação aos dois anos anteriores. O investimento privado é essencial e há muito capital doméstico sobrando. Então, o governo tem que criar as condições de modo a atrair o capital doméstico para os investimentos produtivos. Uma parte disso se faz reduzindo a taxa dos juros, baixando a possibilidade de rendimento dos bancos com aplicações em tesouraria, de forma que sejam obrigados a conceder mais créditos e ganhar no crédito.

Taxa básica de juros

A redução depende do cenário da meta de inflação. O Banco Central aumentou a meta que vai perseguir em 2005 e isso é um alívio para a taxa de juros que será praticada no ano que vem. O governo procura criar as condições para que a taxa de juros caia e isso está presente na autoridade monetária e em todo Executivo. Pensamos da mesma maneira: somente se pode baixar os juros se as condições estiverem presentes, não vamos forçar a barra, não vamos cometer nenhuma irresponsabilidade.

Economia fiscal

O aumento da meta de superávit primário de 2004 de 4,25% para 4,5% é um ensaio geral para o que poderia ser um regime anticíclico. No fundo, aplicamos aquilo que tínhamos anunciado, mas que não era satisfatório e que não havia ficado amadurecido o suficiente. Na prática, tivemos uma expansão acima do esperado para o PIB, que significou uma elevação também acima do esperado para a arrecadação, e isso não estava na conta de gasto, não havia sido planejado. Então, para dar uma regularidade à execução orçamentária, deixa-se de gastar. Isso é bom porque quando se tem, inesperadamente, um aumento da arrecadação, há uma tendência a se gastar mal. E ao gastar bilhões sem um planejamento ponderado, acaba-se torrando dinheiro e isso não queremos fazer.

Superávit de 2005

A meta de superávit primário de 2005 é de 4,25% do PIB. E isso está na proposta do Orçamento enviada ao Congresso. Se houver algum problema poderemos rever, mas não vamos inventar problemas. Por enquanto, os problemas não existem. À medida em que a economia entra em um ciclo virtuoso, e isso está acontecendo, passa-se a ter uma receita mais regular, recursos mais abundantes na mão do Estado. Pode-se vir a fazer um superávit maior, desde que isso não prejudique os programas de investimento do Estado. Neste ano, estamos fazendo um superávit maior porque os investimentos e os programas sociais não serão comprometidos.

Tamanho da economia

Prefiro trabalhar com os pés no chão e não sonhar alto. Estamos trabalhando no ano que vem para um crescimento de 4%. Se tivermos neste ano 4,5%, no próximo ano 4% e depois tivermos um terceiro ano com expansão entre 4,5% e 5%, aí a coisa vai. A criação das condições de estabilidade e fundamentos sólidos é importante para termos expansão sustentável e para crescermos nos próximos anos a 6%, 7% ao ano sem sustos.

Balança comercial

O desempenho externo do País continuará bom. O que interessa não é tanto o superávit comercial, mas o volume de comércio exterior, o grau de abertura da economia brasileira, que hoje é de 24%, 25% e poderemos chegar a 35%. Havendo uma abertura maior, o risco-país diminui. O saldo também é importante porque temos que pagar obrigações, mas o mais importante é o volume comercial. O que vai acontecer é que vamos importar mais, o que é bom porque é uma válvula de escape que o País tem. Se tivermos um aumento de demanda ou necessidade de insumos, poderemos atender com importação.

Eleições municipais

O número de prefeituras do PT vai aumentar consideravelmente, e temos um posicionamento estratégico em várias capitais. Isso mostra a consolidação de um partido em âmbito nacional, um partido que não está concentrado no Sudeste, nesta ou naquela região, mas que se espalha pelo Brasil.

Marta versus Serra

Minha interpretação é que houve voto útil no Serra. Aqueles eleitores que estavam nos partidos que iam perder a eleição se anteciparam e fizeram o voto útil no Serra, apenas antecipando a escolha de voto que dariam no segundo turno. Mas agora, no segundo turno, está zero a zero. Quando começa o segundo turno, o resultado do primeiro turno não vale, os oito pontos percentuais que ele teria a mais de nada lhe valerão.

kicker: "Quando se discute problema de crescimento é sinal de que estamos em uma fase boa"