Título: Brasil tenta quebrar barreiras para vender urânio enriquecido
Autor: Janaína Leite
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/10/2004, Indústri & Serviços, p. A-11

Mercado mundial é estimado em cerca de US$ 18 bilhões anuais. A chegada dos técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), prevista para o próximo dia 18, deverá aumentar a polêmica em torno das inspeções em instalações nucleares brasileiras. O assunto vai muito além da preocupação dos países ricos com a fabricação de armas. Caso o Brasil domine a tecnologia de enriquecimento de urânio, poderá brigar por um mercado que movimenta cerca de US$ 18 bilhões por ano, só com a venda de elemento combustível.

"Existem 440 reatores nucleares no mundo e 60% deles usam urânio enriquecido. Fica óbvio que os interesses dos produtores não são única e exclusivamente o desvio do material para fins militares", afirmou o professor Aquilino Senra Martinez, do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ. "As inspeções, mal comparando, são como as medidas de gasto residencial de água. Para saber quanto é consumido, nenhum fiscal precisa entrar na casa. E é isso que os países desenvolvidos, que `deitam e rolam¿ nesse mercado tão promissor, querem fazer conosco", completou o professor.

Hoje, apenas quatro empresas concorrem pela comercialização do urânio beneficiado nos principais mercados mundiais: a Usec (Estados Unidos), a Eurodif/Cogema (França), a Urenco (consórcio formado por Alemanha, Inglaterra e Holanda) e a Tenex (Rússia).

O Brasil é o sexto maior produtor mundial de urânio. Estima-se que pode chegar ao terceiro lugar, se houver investimento para a prospecção de novas áreas. Por enquanto, o País vende apenas o minério natural, por US$ 30 o quilo. Esse valor pode chegar a US$ 1,35 mil, se todo o ciclo de beneficiamento for desenvolvido. Para tentar reverter essa situação, foram investidos R$ 1 bilhão Entre a década de 19980 até este ano. Dinheiro que garantiu o desenvolvimento de um processo 100% nacional de ultracentrifugação do urânio. As reservas brasileiras são da ordem de 310 mil toneladas de urânio, de acordo com a Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), ligado ao Ministério de Ciências e Tecnologia e que detém o monopólio da exploração de urânio no País. O mineral é então vendido à Eletronuclear para ser enriquecido pela Urenco, na Europa.

A técnica brasileira é mais eficiente e 25 vezes mais barata do que tecnologia usada nos Estados Unidos, de acordo com Martinez. Para enriquecer 1 quilo de urânio a 4%, a ultracentrifugação gasta em média 530 kWh, a um custo de R$ 26. Na difusão gasosa, processo escolhido pelos norte-americanos, o consumo é de 13.250 kWh, custando o equivalente a R$ 662.

"Quando essa instalação (a ultracentrifugação) de teste entrar em funcionamento, o Brasil economizará US$ 12 milhões em 12 meses", estima o diretor da Associação Brasileira de Energia Nuclear, Edson Kuramoto. "A iminência de uma crise do combustível fóssil já levou os países ricos a se preocuparem com a criação de veículos movidos a hidrogênio. O processo de fabricação desse hidrogênio e da produção de energia é o nuclear. Não podemos ficar para trás", acrescentou.

No governo, todavia, ainda não há consenso sobre o uso desse tipo de tecnologia. Do lado que apóia o projeto estão os ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Ciência e Tecnologia. Nos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia o assunto é visto com reservas.

Fins pacíficos

Por pelo menos três vezes, o secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, foi obrigado ontem a deixar claro acreditar que o programa nuclear brasileiro é conduzido com fins pacíficos. "Os EUA não estão absolutamente preocupados com a fabricação de armas nucleares pelo Brasil. Colocar o Brasil na mesma categoria do Iraque seria um erro" garantiu ele, em entrevista no Itamaraty. Powell disse esperar que o Brasil e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) entrem em acordo sobre a inspeção das instalações nucleares brasileiras.

O Brasil negocia os termos do acordo firmado com a agência na década de 1990, que impede o País de empregar o enriquecimento de urânio para fins militares. Os países detentores da tecnologia nuclear estariam interessados em fazer com que os brasileiros permitam a fiscalização da AIEA. O governo não quer. A justificativa é que foram necessários mais de 20 anos para desenvolver uma tecnologia de ponta, a ser colocada em prática na instalação de teste de Resende (RJ).