Título: Frio ou quente?
Autor: Machado, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 02/04/2011, Economia, p. 20

O cardápio de indicadores econômicos servidos na semana, do mapa do crédito à produção industrial em fevereiro, provocou azia num almoço que reuniu na sexta-feira, em São Paulo um pequeno grupo de economistas de bancos e da indústria. A conclusão é que o cenário está confuso demais, com os indicadores tanto apontando para uma queda forte da economia, como para a resistência da demanda.

Se os dados sobre a evolução do crédito em fevereiro já haviam se mostrado contraditórios com o efeito das medidas prudenciais que o Banco Central acionou em dezembro, já que a tomada de empréstimos continuou crescendo, os da produção física da indústria divulgados pelo IBGE contribuíram para turvar mais um pouco as análises.

Contra a expectativa do mercado de aumento de 0,9%, a produção da indústria avançou, em fevereiro, 1,9% em relação a janeiro, depois de 10 meses de relativa estagnação, acumulando queda de 2,2%.

Na nota técnica do Bradesco, esse crescimento ¿acima do esperado¿ se explica, ¿em grande medida, por fatores pontuais¿, relacionados com o Carnaval, este ano, ter caído em março, o que antecipou ¿parte relevante¿ das compras para fevereiro. Em março, segundo a área de pesquisas do Bradesco, os indicadores antecedentes disponíveis já sugerem a ¿correção dessa forte alta¿.

Por categoria de produção, em relação a janeiro, o destaque foi o crescimento de 1,3% dos bens intermediários, segmento que reflete as compras internas da indústria e responde por mais da metade de todo o setor. Em seguida, vieram os bens de capital ¿ expressão de boa parte dos investimentos na economia ¿, com aumento de um mês a outro de 0,9%. Tais desempenhos, segundo avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), parecem indicar o início de ¿retomada duradoura¿. Mas ainda há muitas incertezas.

A volta do crescimento da indústria, ¿se confirmada¿, ressalta o Iedi, talvez expresse apenas a ¿acomodação de um processo que se mostrou muito intenso nos últimos meses, qual seja, a substituição da produção doméstica pelo bem importado¿. Esse é um dos enigmas da conjuntura econômica brasileira a partir da saída da recessão: a demanda atendida por importações, devido à baixa capacidade de suprimento da oferta nacional em regime de virtual pleno emprego.

Não há respostas simples para o que se vê na economia, o que faz muitas decisões de política econômica resultar mais de intuição que de ciência, de resto, não exata na economia. O BC admite tais angústias em seu recente relatório trimestral de inflação.

Múltiplas respostas O quadro de descompasso entre a demanda e a oferta estimula, em primeiro grau, as importações, ou elas seriam resultado do câmbio valorizado, por sua vez decorrência dos juros altos e da sensação de solidez das contas externas, derivada das crescentes reservas de divisas acumuladas pelo Banco Central, levando o hot money, num mundo sem juros, a apostar na alta do real contra o dólar?

A pergunta induz mais de uma resposta. Certamente, uma delas vai no sentido de reforçar a percepção ¿ valorizada pelo Banco Central e não pela Fazenda ¿, da economia aquecida a impelir a inflação. Ela não responderia, assim, apenas ao choque de oferta agrícola.

Ostra & onda unidas Em meio às incertezas, a indústria tanto pode ser a ostra grudada à pedra castigada pela onda, como a própria onda. Se essa imagem faz sentido, não é que a indústria estaria em regressão devido às importações, mas integrado a elas. Considere o setor automotivo.

Com importações de 500 mil veículos em 2010, outros tantos este ano, equivalentes à produção de uma fábrica de grande porte, as montadoras baseadas no país estão longe de operar a baixa carga. O problema seria mais de oportunidades de investimento eventualmente desperdiçadas que de fraqueza da indústria. Conforme a resposta da política econômica a esta situação, há perdas ou ganhos ao país.

O valor da vivência O diagnóstico do Iedi não se estende nessa questão, mas elabora, à luz dos resultados de fevereiro, que o processo de desgaste da indústria pelas importações talvez tenha se desacelerado, ¿o que não significa dizer¿, avisa a análise, ¿que sofreu uma reversão¿.

Por bom tempo, vai-se estar assim, andando em terreno movediço, já que os instrumentos da política econômica permitem ¿enxergar¿ os agregados econômicos, não o sentimento das empresas, e muitas com centros decisórios fora do país. Isso depende mais da vivência dos formuladores de políticas para interpretar os indicadores.

Reservas e poupança A tendência é que a análise da conjuntura torne-se mais complexa, e não só pela globalização do circuito financeiro, visível no real demandado pelo capital externo a despeito de ser inconversível e, sobretudo, nas cadeias de produção e nas decisões de investimento.

A política econômica tem de prever tais fatores, condicionando-se ao que vai à China, por exemplo, maior importador brasileiro, aos EUA, donos da moeda universal, e às multinacionais, cujos negócios representam 70% do comércio internacional. As reservas de divisas aumentaram a autonomia do país. E a poupança interna escassa anula parte da soberania, já que, à sua falta, financiar o investimento passa a ser função também dos deficits externos. Incrível é que à exceção de poucas instituições, como o BNDES, ninguém fale disso.