Título: Um Natal sem medo do crescimento
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Fonte: Gazeta Mercantil, 15/10/2004, Opinião, p. A-3
O Natal neste ano chegou antes para a indústria brasileira, antecipando um esperado aumento de vendas do comércio nas festas de final de ano. O setor industrial, em geral, está trabalhando a pleno vapor para atender as encomendas que, em muitos casos, foram antecipadas em 60 dias. Em algumas fábricas ou segmentos, toda a capacidade de produção foi preenchida e muitos pedidos tiveram de ser recusados.
Essa perspectiva de que o Natal de 2004 pode ser o melhor dos últimos quatro anos decorre de vários fatores. Primeiro, o lento, porém constante, crescimento dos postos de trabalho, principalmente os formais, com direito a 13 salário, férias remuneradas, fundo de garantia e planos de saúde, o que dá segurança ao consumidor para gastar mais, fazer crediário e substituir bens velhos, como automóveis, eletroeletrônicos e móveis, por similares mais novos, tecnologicamente atualizados. Só no Estado de São Paulo, no acumulado dos últimos 12 meses, a indústria paulista criou 52,2 mil novas vagas, o que representa um aumento de 3,4%, segundo dados divulgados ontem pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O segundo fator é o barateamento do crédito direto ao consumidor e o alongamento dos prazos de pagamento no crediário, junto com promoções de vendas, como no caso dos telefones celulares, em que as operadoras subsidiam os preços dos aparelhos, para ganhar mais adiante com a prestação de serviços.
Essas vantagens no crédito impulsionaram, por exemplo, as vendas de bens de consumo duráveis, como eletroeletrônicos e móveis, o que foi comprovado pelo mais recente levantamento da produção industrial brasileira pelo IBGE, que registrou em agosto um crescimento da indústria de bens duráveis de 2,2% em relação a julho. Mas não foi apenas esse segmento que cresceu. A indústria em geral registrou aumento da produção de 1,1% em agosto, o que representou a sexta alta consecutiva, mês a mês, desde março. E a última vez em que isso ocorreu foi no período de julho a dezembro de 1994, após o início do Plano Real. Neste ano, a alta acumulada foi de 8,8%; e nos últimos 12 meses, de 6,5%.
Fato auspicioso é que esse crescimento da indústria em agosto foi puxado principalmente pelo setor de bens de capital, ou seja, de máquinas e equipamentos, que cresceu 2,3% sobre julho. Isso significa que outros setores industriais estão investindo na modernização e ampliação da capacidade instalada, para fazer frente ao aumento da demanda.
Esse quadro é confirmado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que constatou crescimento de 150% nas consultas de financiamento por parte do setor privado entre janeiro a setembro, em relação ao mesmo período do ano passado, e de 48% nas liberações de crédito, que atingiram R$ 25,9 bilhões, o equivalente a 55% do orçamento.
Finalmente, outro fator que influi nas perspectivas otimistas para o Natal é a estabilidade econômica interna e a boa conjuntura da economia internacional, momentaneamente prejudicada pelas altas especulativas dos preços do petróleo, que ontem voltaram a bater novos recordes de fechamento ¿ o WTI a US$ 54,50, e o Brent a US$ 50,84. A primeira prévia do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), referente aos primeiros 10 dias de outubro, foi de 0,05%, ante 0,35% no mesmo período de setembro. O índice deve fechar o mês com alta de 0,5%, ante 0,69% em setembro. Apesar da queda dos preços da soja no mercado internacional, o superávit comercial deve se manter em torno de US$ 31 bilhões no ano.
Até agora, o crescimento incipiente da economia brasileira neste ano se sustentou no aumento das exportações e na agroindústria. Para que o crescimento seja sustentável, é preciso que ele se assente no desenvolvimento do mercado interno, que tem um potencial imenso, ainda pouco explorado, e que pode vir a ser o grande atrativo para o ingresso de capital externo produtivo no País.
Os dois grandes obstáculos para o desenvolvimento do mercado interno são o desemprego e a queda no rendimento médio real. De acordo com o IBGE, a queda da renda só em agosto último foi de 1,4% em relação a julho. Com isso, ela ficou em R$ 893,10 em agosto, bem abaixo do nível do mesmo mês de 2000, que era de R$ 1.045,52.
Além disso, é preciso que as empresas invistam em novas tecnologias e na ampliação do parque industrial para acompanhar eventual crescimento sustentado da demanda. Durante o processo, ocorrerão problemas como aumentos momentâneos de preços e escassez de matérias-primas, como se verifica atualmente. Mas nada que não possa ser resolvido sem traumas. Afinal, não se deve ter medo do crescimento. kicker: Para que o crescimento seja sustentável é preciso que se assente no desenvolvimento do mercado interno, que tem potencial imenso