Título: Capacidade negociadora do Brasil na OMC
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/08/2004, Opinião, p. A-3
Passadas duas semanas do acordo firmado em Genebra pelos 147 países membros da OMC, já é possível fazer uma clara avaliação do episódio. E talvez o dado mais relevante seja o reconhecimento mundial da capacidade negociadora do Brasil. De fato, foi a iniciativa brasileira pré-Cancún, de produzir um documento negocial que se contrapusesse à proposta americano-européia, que deu origem ao G-20, e foi esse poderoso grupo que resistiu às posições dos países ricos em Cancún, impedindo que os países em desenvolvimento engolissem, mais uma vez, acordos que não lhes interessavam. O resultado de Genebra consolida a liderança brasileira nas negociações internacionais e dá ao País nova posição, inclusive dentro do NG-5, composto por Estados Unidos, União Européia, Austrália (Cairns), Índia e Brasil (G-20). O documento que o Conselho Geral da OMC1 aprovou, na madrugada do dia 1 de agosto, vinha sendo discutido desde antes de Cancún. A finalidade desse documento é estipular os princípios que servirão de base para que sejam estabelecidas as modalidades, isto é, a metodologia que norteará as negociações propriamente ditas, que se iniciam subseqüentemente. A etapa assim concluída insere-se no contexto do mandato negociador que foi estabelecido na Conferência Ministerial de Doha, que deu início à atual rodada de negociações. Sob a ótica do agronegócio, esse documento tem resultados positivos, notadamente quando se avalia cada um dos três pilares separadamente, quais sejam: acesso a mercados, medidas de apoio interno e competitividade nas exportações. No pilar de competitividade nas exportações, pode-se dizer que se obteve o resultado mais significativo. Os países assumiram compromisso de eliminar todas as formas de subsídios à exportação em período de tempo "crível". E, quando se fala de eliminar "todas as formas de subsídios", significa que não só os subsídios diretos serão eliminados, mas também os subsídios indiretos, como os que podem existir nas operações de crédito à exportação, nas operações de empresas estatais que atuem no comércio internacional e nas operações de ajuda alimentar. Esse resultado corrigirá uma situação de injustiça que já perdura há muitos anos. No caso dos produtos industriais, a proibição dos subsídios à exportação já foi negociada e acertada entre os países, constando das regras da OMC. Todavia, o Acordo sobre Agricultura, resultante da Rodada Uruguai, ainda prevê exceções que legalizam a existência de subsídios à exportação para produtos agrícolas. Agora será possível eliminar completamente subsídios à exportação. Quanto às medidas de apoio interno, o primeiro ponto a mencionar, e talvez o mais importante desse pilar, é o do compromisso de uma redução global. Em outras palavras, os países se comprometem a aplicar uma redução sobre todas as medidas que distorcem o comércio, isto é, as que não fazem parte da "caixa-verde 2". Neste contexto, estão compreendidas as medidas da "caixa-amarela 3", da "caixa-azul 4" e as amparadas pela "cláusula de minimis 5". Lembre-se que, na versão vigente do Acordo sobre Agricultura, "caixa-azul" e "cláusula de minimis" não estão sujeitas a nenhum controle ou limite. Já está definido que haverá um corte inicial de 20% a ser feito no primeiro ano do período de implementação. Além desse corte global, as medidas da "caixa-amarela" estarão sujeitas a um corte adicional, assim como à imposição de um limite específico por produto. Destaca-se ainda, nesse pilar, a alteração nas atuais regras da "caixa-azul" - o total da proteção aí incluída não poderá exceder limite de 5% do valor da produção agrícola - e que critérios adicionais ainda serão negociados na próxima etapa. O terceiro pilar (acesso a mercados) pode ser considerado o mais sensível e, portanto, o mais difícil dos três que compõem a estrutura dessas negociações agrícolas. Nesse caso, e tendo em vista essas dificuldades, julgou-se mais adequado, como primeiro passo, estabelecer os princípios e elementos que nortearão a definição da fórmula para redução das tarifas. Um outro conceito que cabe ser mencionado é o de "produtos sensíveis", que vem a ser a possibilidade de se criar uma exceção ao critério de redução das tarifas. É ponto polêmico, mas pode ser um instrumento útil para reduzir a resistência que alguns países desenvolvidos oferecem ao processo negociador. Não se pode negar que as ambições da agricultura brasileira são maiores do que o contido nesse documento aprovado em Genebra. Contudo, uma avaliação racional do processo negociador agrícola deve levar em conta uma perspectiva histórica do mesmo: o que se conclui agora, em Genebra, já deveria ter ocorrido em 31 de março do ano passado. Tal não foi possível devido, exatamente, à complexidade do assunto. O resultado que se avizinhava na Conferência Ministerial de Cancún, em setembro do ano passado, com toda certeza, era muito inferior ao que hoje se obtém. Assim, confirma-se o que foi dito naquela ocasião, que foi preferível ter saído de Cancún com as mãos vazias a ter um acordo ruim. E agora os horizontes estão muito mais desanuviados.