Título: MP libera soja transgênica no Brasil
Autor: Daniel Pereira e Romoaldo de Souza
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/10/2004, Política, p. A-8

Palácio do Planalto confirma que Diário Oficial publica hoje texto pedido por produtores. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem assinar uma medida provisória (MP) autorizando o plantio e a comercialização de soja transgênica na safra 2004/2005. A informação foi confirmada pelo Palácio do Planalto pouco depois das 21 horas, que anunciou a publicação da MP na edição de hoje do Diário Oficial da União. A assessoria do chefe do Executivo se recusou a passar detalhes sobre o texto.

De acordo com o vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, Beto Albuquerque (PSB-RS), será uma medida provisória enxuta, até para não esvaziar a nova Lei de Biossegurança, que só depende de mais uma votação pelos deputados para entrar em vigor. A nova MP, segundo o deputado gaúcho, liberaria o cultivo da soja modificada na safra e a comercialização dos grãos colhidos até o final de 2006.

"Falar apenas de plantio sem falar na comercialização poderia, ali na frente, criar uma lengalenga, a novela que nós estamos acostumados a assistir sobre esse tema. Para não deixar dúvidas, já delimitamos o tempo de comercialização", afirmou Albuquerque, depois de reunião no Palácio do Planalto. Será a terceira vez em menos de dois anos de mandato que o presidente Lula recorre a tal instrumento constitucional para legalizar a soja transgênica no País.

No ano passado, Lula já havia usado MPs para liberar a venda de grãos de soja geneticamente modificados cultivados na safra 2002/2003 e permitir o plantio dos mesmos na safra 2003/2004. O cenário recorrente só mudará quando o Congresso aprovar a Lei de Biossegurança, que depende apenas de uma última votação pela Câmara. "A medida provisória é uma precaução que o governo toma até sair a Lei de Biossegurança. Soja é uma questão episódica", diz Albuquerque.

Além de retirar de uma condição de ilegalidade os produtores, que em determinadas regiões já semearam as sementes transgênicas apesar de uma proibição judicial, a nova MP atenderia a uma das principais demandas do agronegócio brasileiro. De acordo com dados da Comissão de Agricultura da Câmara, um produtor gasta R$ 307,10 para plantar um hectare de soja convencional. O custo cairia para R$ 66 no caso de cultivo de soja geneticamente modificada.

A expectativa do mercado é de que a colheita de soja - principal produto do agronegócio exportador, setor responsável por um saldo positivo de R$ 30 bilhões na balança comercial - seja de cerca de 65 milhões de toneladas na próxima safra. Apesar de agradar aos produtores e atender à pressão dos parlamentares, inclusive do próprio governo, a nova MP pode causar protestos dentro do Judiciário. Foi o que aconteceu no ano passado.

É que uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da Primeira Região proíbe a comercialização de soja transgênica. "A edição de MP em sentido contrário à decisão judicial seria crime de responsabilidade passível de punição, inclusive com o impeachment do presidente Lula", afirmou o desembargador do TRF Antônio Souza Prudente, sobre a segunda MP em 2003. Uma ação direta de inconstitucionalidade também foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar aquela MP, depois transformada em lei, mas não foi julgada.

De forma reservada, um ministro do STF defendeu a edição da nova MP. Ele disse que os juízes não podem reclamar porque não conseguem decidir o processo judicial sobre os transgênicos, que se arrasta há anos. O ministro acusou a Justiça de "autismo" ao analisar o caso. E deu como exemplo a própria decisão do TRF. Os desembargadores reconheceram a competência da CTNBio para liberar os transgênicos. O parecer da CTNBio foi favorável à Monsanto no caso da soja Roundup Ready. Os desembargadores mantiveram, no entanto, a proibição do plantio e da venda do grão da multinacional. "A decisão é o pior dos mundos. Perderam qualquer senso de razoabilidade", disse o ministro.