Título: Cenário ruim piora indicadores do País
Autor: Jiane Carvalho
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/10/2004, Finanças & Mercados, p. B-1

Para analistas, Petrobras erra ao reajustar preços dos combustíveis abaixo da expectativa. O dólar registrou ontem a maior alta percentual desde o dia 31 de maio. A moeda norte-americana subiu ontem 1,20%, vendida a R$ 2,874 em um dia marcado por notícias ruins no cenário interno e externo. Todos os indicadores do País apresentaram significativa piora. O C-bond, principal título da dívida externa do Brasil, se desvalorizou 1,06%, negociado a 98,87% do valor de face. O risco-País - índice que mede a confiança do investidor no País - subiu 6,42%, fechando em 480,70 pontos. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), os juros futuros também subiram. Os contratos com vencimento em abril de 2005, os mais líquidos, fecharam em 17,25% ao ano, contra 17,19% da véspera.

O petróleo continuou ontem sendo o principal fator de pressão sobre o câmbio e a expectativa inflacionária. O reajuste definido pela Petrobras para as refinarias, de 2,4% na gasolina e de 4,8% no diesel, desagradou o mercado, que esperava algo próximo de 10%. Na bomba, a empresa estima aumentos de 1,6% para gasolina e 3,8% para o diesel. Na visão do mercado, para recompor suas margens a Petrobras terá de efetuar um novo reajuste até o final do ano, o que pode comprometer a inflação em 2005. Este temor acabou sendo reforçado no final do dia, quando o petróleo tipo WTI bateu novo recorde, vendido a US$ 54,76.

Além dos reajustes nos preços internos da Petrobras, os dados do IPC-Fipe também surpreenderam o mercado. A inflação ao consumidor em São Paulo foi de 0,27% na primeira quadrissemana de outubro, superando as expectativa dos economistas que era de, no máximo, um aumento de 0,25%.

A estratégia da Petrobras de "postergar" o reajuste necessário para alinhar os preços internos aos praticados no mercado externo foi criticada pelo diretor do Modal Asset Management, Alexandre Póvoa. "Se a empresa reajustasse os preços nos níveis necessários agora, os reflexos na inflação ficariam restritos a 2004, o que não ocorre se um novo aumento for definido a partir de novembro", diz. "Do ponto de vista do controle da inflação, retardar o reajuste necessário é um erro estratégico."

A hipótese de que este seja o último reajuste do ano definido pela Petrobras - considerada pouco provável pelo mercado - também foi criticada por Póvoa. "Esta possibilidade acrescenta mais um componente de surpresa ao mercado, o que não é bom", diz. Como o reajuste divulgado ontem foi muito pequeno, Póvoa considera improvável reflexos na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na semana que vem. "O reflexo no IPCA deve ser de 0,07 ponto percentual e não é suficiente para alterar os rumos de uma reunião do Copom."

Os reflexos do reajuste dos combustíveis na inflação e, por conseqüência, nas decisões sobre a alta da taxa Selic também foram considerados mínimos pelo economista-chefe da área de macroeconomia da LCA Consultores, Luis Suzigan. "Na verdade, o mercado vinha trabalhando com uma expectativa de aumento bem maior e agora, com o reajuste definido, é preciso rever para baixo a expectativa de inflação no mês", explica Suzigan. A previsão da consultoria para o IPCA de outubro era de 0,55%, isto para um aumento nos combustíveis de 6% para o consumidor. "Com o aumento definido ontem pela Petrobras, o IPCA deve ser revisto para baixo e ficar próximo de 0,40% no mês."

Para evitar que um novo reajuste dos combustíveis contamine muito os índices inflacionários do primeiro trimestre de 2005, Luis Suzigan defende que o aumento ocorra no máximo até o final de novembro. "Qualquer reajuste na virada do ano é ruim, mas se for necessário é melhor que seja o quanto antes para restringir ao máximo os reflexos sobre 2005."

Embora reconheça que o reajuste da Petrobras tenha sido inferior às expectativas, o gerente de Política Monetária do Banco Itaú, Joel Bogdanski, aponta vantagens do ponto de vista macroeconômico. "Se o aumento agora fosse muito grande, teria reflexos maiores na inflação e forçaria a um aperto na política monetária e alta da Selic", explica Bogdanski. "Como metade da dívida pública está atrelada à Selic, haveria um custo alto para o País", pondera. Um ajuste dos combustíveis de forma gradual, segundo o economista, facilita aumentos mais suaves na Selic. "É preciso entender o mecanismo de reajuste da Petrobras do ponto de vista do governo, que tenta equilibrar política fiscal e monetária no controle inflacionário e das contas públicas."