Título: Atenção para a inflação no reajuste dos combustíveis
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Fonte: Gazeta Mercantil, 18/10/2004, Opinião, p. A-3

Três meses depois de o preço do barril de petróleo ter-se mantido acima do patamar de US$ 40, a Petrobras anunciou na sexta-feira passada um reajuste de 4% no preço da gasolina e de 6% no diesel nas refinarias da empresa. Segundo estimativas da Federação Nacional dos Revendedores de Combustíveis, o aumento deve corresponder a um acréscimo de R$ 0,03 no litro de gasolina e de R$ 0,06 no de diesel para o consumidor - alteração bastante modesta e afinada com expectativas políticas em período eleitoral. Mas isso não é tudo. Considerações sobre a formação de expectativas sobre a evolução da inflação devem ter pesado na escolha do momento da decisão.

O contraste entre o nível elevado das cotações e a pequena magnitude do reajuste suscitou no mercado a conjectura de que a Petrobras terá optado por um processo de correção escalonada, prevendo-se novo ajuste para breve. A hipótese foi confirmada pelo ministro da Fazenda Antonio Palocci. Ao afastar insinuação de interferência governamental na decisão, o ministro admitiu que novos reajustes poderão ocorrer, não necessariamente na mesma proporção do aumento do preço do óleo no mercado internacional, assim como estaria ocorrendo também em outros países. É generalizada a incerteza quanto ao comportamento futuro dos preços do petróleo, ao mesmo tempo em que muita gente não confia em que se manterão por muito tempo nos atuais patamares

Analistas do mercado estimavam um aumento inicial de pelo menos 10%. Observa-se que o último reajuste ocorreu em 15 de junho - 10,8% na gasolina e 10,6% no óleo diesel. À época, o preço do barril de petróleo atingia US$ 40. De então para cá, sua cotação só fez aumentar, tendo atingido o pico de US$ 55 durante o pregão de sexta-feira em Nova York. Somando-se ambos os reajustes e comparando-se com o ocorrido em outros países em 2004, conclui-se que a correção foi menor no Brasil.

Assim, por exemplo, nos Estados Unidos a gasolina subiu em dólar no mesmo período 34%. Como o dólar se desvalorizou apenas 1% de janeiro a outubro, a correção interna deveria ser de 20%, na analogia com a evolução do preço da gasolina americana.

Não se afirma que o consumidor paga menos no Brasil que nos EUA. Nos postos de gasolina do País o combustível é 44,3% mais caro que nos EUA ¿ sobretudo devido à diferença na carga tributária - 51% aqui contra 26% nos EUA. Já o valor cobrado pelas refinarias americanas é 28,2% maior do que o cobrado pela Petrobras.

A escolha da data do reajuste deve ter sido objeto de muita atenção por parte da Petrobras - e do governo. Assim como se passou em junho, a Petrobras optou pela correção no meio do mês, de modo a que o seu impacto sobre a inflação se distribua entre os meses de outubro e novembro. Como o efeito indireto na inflação se dá ao longo de cerca de três meses, a inflação de 2005 não tende a ser contaminada pelo reajuste - o efeito seria inverso se a decisão fosse anunciada a partir desta semana. Tendo ocorrido do modo como ocorreu, o reajuste não deverá interferir na meta de até 8% estabelecida para o IPCA neste ano, valorizando-se assim o regime de metas para a inflação.

Obviamente, a escolha da data e o efeito visado não foram admitidos como determinantes pela empresa. Como empresa aberta, poderia ser questionada por colocar o interesse do governo na defesa de sua estratégia de controle da inflação à frente do interesse de seus 400 mil acionistas. Pelo mesmo motivo, os representantes da Petrobras não assumem claramente o montante da defasagem de preços: o que interessa aos acionistas é a valorização da companhia.

Utilizando-se como referência o petróleo tipo Brent, desde o último reajuste o preço do óleo subiu 43,8%. Como o custo médio de produção de petróleo pela Petrobras é inferior a US$ 10 por barril, a companhia não precisaria elevar seus preços para manter a rentabilidade. Mas poderia ter utilizado percentuais mais elevados se o critério utilizado tivesse se restringido a considerações respeitantes à geração e distribuição de lucros e dividendos aos acionistas, a começar do Estado brasileiro.

O percentual de reajuste utilizado foi insuficiente para eliminar a diferença remanescente entre o preço praticado internamente e o do mercado internacional. Segundo se estima no mercado, o preço da gasolina permanece defasado em 20% e o do diesel, em 30%. Assim, acredita-se que virá novo reajuste após as eleições municipais, em percentual maior - entre 5% e 10%.

No caso atual, assumindo-se que os aumentos da gasolina e do diesel para o consumidor sejam respectivamente de apenas 1,6% e 3,8%, o impacto no IPCA será de 0,07 ponto percentual, a ser distribuído em dois meses. kicker: Corrigidos os preços no meio do mês, o seu impacto sobre a inflação distribui-se entre os meses de outubro e novembro