Título: PF investiga contaminação por chumbo
Autor: Hugo Marques
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/10/2004, Ecologia, p. A-8
Lixo tóxico depositado em aterro estaria expondo a comunidade ao risco de enfermidades. A chacareira Cleide Setin, de 30 anos de idade, tem sinusite, renite, dores nas pernas e fraqueza. Dois irmãos de Cleide ficaram estéreis e três sobrinhos estão com bronquite. A família Setin planta verduras em Santo Antônio de Posse (SP). O sítio fica próximo do Aterro Mantovani, onde 60 indústrias depositaram lixo tóxico por três décadas. Nesta semana, a Polícia Federal em São Paulo instaura inquérito para investigar a contaminação do meio ambiente na região. "A água que vem do subsolo também está contaminada. Você sente o mau cheiro quando tira da cisterna, que tem uns 12 metros de profundidade", afirma Cleide.
A contaminação foi constatada em laudos técnicos encomendados pela Defensoria da Água. Em algumas chácaras, as análises mostram a presença de chumbo em quantidade 120 vezes maior do que o permitido na água. A extensão da contaminação nos municípios próximos não foi levantada. As frutas e verduras produzidas nas chácaras em volta do aterro são vendidas na central de abastecimento de Campinas (SP). "A água do córrego apresenta odor desagradável. O córrego passa a 20 metros da propriedade e é com essa água que a gente molha as verduras", afirma Cleide Setin.
O pai dela morreu vítima de câncer no pulmão em 1998 e a mãe está enferma. As famílias nunca foram avisadas sobre os riscos da contaminação para a saúde, diz Cleide. Nos últimos dois anos, quando a contaminação das águas do subsolo ficou visível e aumentou o mau cheiro, os moradores da região começaram a relacionar seus males com os produtos tóxicos depositados no aterro.
O lixo tóxico começou a ser lançado no Aterro Mantovani em 1974. Oficialmente, o aterro foi interditado em 1987. Mas testemunhas confirmaram à defensoria que o lixo continuou sendo despejado no aterro até 2001.
No dia 20, as procuradoras Letícia Pohl e Silvana Mocellin instauraram inquérito civil público para recuperar a área e indenizar as vítimas por danos causados. A documentação mostra que a contaminação atingiu o córrego Pirapitingui, até as margens do rio Camanducaia. "Vamos pedir laudo sobre o nexo causal entre o aterro e as doenças", afirma Letícia Pohl.
A Delegacia do Meio Ambiente da PF em São Paulo informou que a investigação começa esta semana. Além das diligências e pedidos de laudos técnicos, a PF vai ouvir os diretores das empresas responsáveis pela poluição. Em 2001, as empresas responsáveis assinaram com o MP em São Paulo um termo de compromisso no qual se reconhece o despejo de 300 mil toneladas de lixo tóxico no local e se estabelecem medidas de recuperação da área. O acordo não abrange a área contaminada em volta do aterro, que agora atinge os moradores.
Entre as empresas que assinaram o termo de compromisso estão Alcan Alumínio, Akzo Nobel, Basf, Daimler Chrysler, Embraer, Furukawa Industrial, Johnson & Johnson, Philips, Rhodia, Refinaria de Petróleo de Manguinhos e Texaco. Pelo termo de compromisso, foi contratada a CSD Geoklcok para fazer a descontaminação do aterro, mas os moradores reclamam da falta de providências em relação a vários sítios em torno da área. Algumas cisternas na região foram interditadas e os agricultores recebem água para uso doméstico em caminhão-pipa.
A Johnson & Johnson informa que o dano ambiental "foi causado por práticas inadequadas de disposição final dos resíduos adotadas pelo administrador do aterro". A Embraer informou que "está à disposição das autoridades para os esclarecimentos que forem necessários". A Refinaria de Manguinhos informou que a diretoria está viajando e que daria uma resposta sobre a investigação da PF. Na Basf, o telefone atribuído pela empresa à assessoria de imprensa informa que "a caixa postal está cheia e não pode receber mais recados".
A Furukawa Industrial informa que vem cumprindo as medidas do termo de compromisso e vai adotar "as medidas necessárias para a obtenção da melhor solução possível para todos os envolvidos". A Daimler Chrysler informa que usou em uma única ocasião, em julho de 1987, o aterro Mantovani "para depósito de resíduos, conforme autorização concedida pela Cetesb" e que assinou o termo de compromisso com o MP. Alcan, Akzo Nobel e Rhodia não retornaram ao chamado. O telefone da comunicação da Texaco estava na secretária eletrônica.