Título: Retomada da industrialização
Autor: Nelson Brasil de Oliveira
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/10/2004, Opinião, p. A-2

Políticas públicas de há 50 anos foram abandonadas. Na retrospectiva do período Vargas, produzida ao ensejo dos 50 anos de sua morte, foi dada grande ênfase aos fatos mais dramáticos ocorridos naquela época, em especial seus últimos momentos - com destaque para a Carta Testamento do ex-presidente. Em realidade esse documento e o radicalismo que o cerca não constituíram a característica principal do governo Vargas: foram apenas tópicos esparsos dos últimos anos de seu governo visando mudanças no establishment tupiniquim. Também o viés populista atribuído ao interesse de Vargas pelo social não supera a enorme visão política de seu governo ao propiciar o início da industrialização do País, a despeito das dificuldades surgidas à ocasião.

Quase 150 anos após Alessander Hamilton, o criador do capitalismo norte-americano, ter teorizado sobre a importância de se incentivar a indústria doméstica como elemento-chave para o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, com vistas à absorção da mão-de-obra excedente na lavoura, Vargas deu curso a um programa de governo dedicado à industrialização do Brasil tendo também o Estado como o carro-chefe nesse processo, seja por meio de estímulos fiscais ao setor privado, seja pela intervenção direta, como foi o caso da construção da Siderúrgica de Volta Redonda.

No período democrático do governo Vargas esse projeto nacional teve continuidade através de uma governança assegurada pela aliança entre o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com fundamentação progressista, que cuidava da política social, e o Partido Social Democrático (PSD), que de forma conservadora conduzia a gestão econômica do governo. Agora o Brasil tem no seu comando, novamente, um presidente com elevada representatividade da área social e que se mostra disposto a governar conciliando ações e interesses antagônicos, conjugando um programa mais conservador para manter a estabilidade econômica e a sustentabilidade política do País com outro de cunho reformista, mais reclamado pela sociedade em geral e focado nos interesses da nação a longo prazo. Ocorre que, sintomaticamente, influentes vozes no horizonte político interno vêm atacando a "interferência ideológica" do Estado na economia. Isso porque o BNDES fixa prioridades para alocação de recursos públicos, que apenas interpretam diretrizes de política industrial do governo, ou ainda porque diplomatas do Itamaraty desenvolvem estudos que visam contribuir para o planejamento estratégico brasileiro de longo prazo, no atual concerto geopolítico das nações.

O que se está criticando, em última instância, é a visão de longo prazo, do maior interesse para o Brasil, pois significa o ressurgimento, dentro de um projeto nacional, de políticas públicas que tiveram suas aplicações iniciadas no Brasil há 50 anos, mas que foram abandonadas a partir da frustrante década de 80.

A experiência vivenciada na década de 90 mostrou ter sido catastrófica a omissão do Estado em seu papel de formulador do planejamento estratégico do País. Por outro lado, essa mesma experiência nos dá a convicção de que não mais ocorrerão os nefastos desvios da ação do Estado verificados no passado, pois que tais políticas terão suas aplicações fiscalizadas de forma transparente pela parceria do setor público com o setor privado e a sociedade, criada para promover o desenvolvimento econômico de forma pactuada e sustentável.

kicker: O Estado não deve fugir ao papel de formulador do planejamento estratégico