Título: Visões da chacina de Unaí
Autor: Durval Guimarães
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/10/2004, Opinião, p. A-3

Eleitor não condenou de antemão acusado de morte de fiscais. Seguia de mal a pior a campanha do fazendeiro Antério Mânica para a prefeitura de Unaí, cidade mineira com cerca de 70 mil habitantes, perto de Brasília. E, pelo andar da carruagem, a terceira derrota o aguardava nas urnas. A primeira foi em 1998, quando se candidatou à Assembléia Legislativa; a segunda, em 2002, quando disputou a eleição com o atual prefeito José Braz da Silva. Tudo, no entanto, começou a mudar quando o candidato foi apontado como mandante do assassinato de quatro fiscais do Ministério do Trabalho, na área rural da cidade, no ano passado, quando faziam uma batida nas fazendas da região para investigar possíveis irregularidades na contratação de pessoal.

Situada no noroeste de Minas, a menos de três horas de distância de Brasília, de carro, Unaí é uma cidade próspera e o seu índice de desenvolvimento humano (IDH) - 0,812 - reflete uma razoável qualidade de vida, superior à de municípios tradicionais como Araxá, Barbacena e Sete Lagoas.

A atividade principal é a agricultura, exercida de forma intensa por famílias vindas do Sul do Brasil, sobretudo gaúchas, que foram atraídas por propaganda e incentivos de antigos governos estaduais, com o objetivo de modernizar a produção rural no estado.

A partir do momento em que seu nome foi envolvido no crime de assassinato dos quatro fiscais, a campanha do fazendeiro Antério não parou de crescer.

Do presídio, em Belo Horizonte, onde ficou encarcerado por 20 dias, ouviu o seu nome ser consagrado por 28.537 eleitores, que representavam 72,35% dos votos válidos do município. Na quarta-feira da semana passada, por força de um habeas-corpus, o agora prefeito eleito voltou à cidade, onde foi recebido nas ruas por quase 20 mil pessoas.

Pergunta-se: como uma pessoa pode tornar-se popular exatamente depois de ter o seu nome associado ao mando de uma chacina brutal?

Uma resposta pode ser buscada no tom adotado pela imprensa quando do anúncio do resultado da eleição em Unaí. A impressão era de que a população, absurdamente, havia eleito um criminoso.

E é aí que reside o xis da questão. Mânica é ainda suspeito. Se cometeu ou não o crime, somente o processo e o julgamento é que poderão dizer.

Ao contrário da mídia, a população local não condenou o suspeito de antemão. Talvez haja, aí, uma grande lição para a imprensa.

kicker: Se prefeitoeleito cometeu ou não o crime, somente o julgamento é que poderá dizer