Título: Gatos pardos, mas nem tanto
Autor: Carlos Alberto Furtado de Melo
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/10/2004, Opinião, p. A-3

A óbvia constatação eleitoral aponta para o crescimento de PT e PSDB. Ambos saem mais bem posicionados, mas isso não significa polarização. Hoje, as propostas se assemelham e guardam um grande nível de pragmatismo. Ambos os partidos disputam o centro e empunham bandeiras do reformismo mais ou menos dentro dos mesmos marcos.

Há falcões de lado a lado, que se engalfinharão, é verdade, e muita água e algum sangue (figurativo) podem rolar. Ainda assim, temos agora dois partidos mais consolidados e implantados no sistema político, tendendo à formação de dois grandes blocos. O cenário político ainda é cinza, mas os gatos já não são tão pardos. Falta a boa reforma política; enquanto isso, a tendência é de realinhamentos.

O PT assumiu o poder federal adotando pragmatismo econômico. Com os resultados, chegou ao primeiro turno com boas condições de competitividade. Favoreceu-se de diversos fatores: a) o bom momento econômico e a popularidade do presidente Lula; b) sua organização e estrutura partidária; c) as vantagens de gerir a máquina federal; d) a qualidade de algumas de suas administrações. Já o PSDB se beneficiou por ser a mais visível e pelo tipo de oposição que faz. Sua ala propositiva dividiu os louros das reformas com o governo; sua banda radical soube capitalizar deficiências administrativas e escorregadelas éticas do adversário. Além disso, os tucanos foram favorecidos pelo renitente antipetismo.

No que se refere às suas qualidades administrativas, o PSDB explorou com eficiência o bom momento dos governos Alckmin e Aécio. Em São Paulo, teve o mérito de pautar a eleição, trazendo a saúde para o centro do debate.

Talvez se esperasse mais do governo, mas hegemonia como nos primeiros tempos do Real não haverá mais. Ainda assim, dos grandes, o PT cresceu em número de municípios e foi o mais votado; implantou-se nos grotões e se consolidou nos grandes centros. A eventual derrota em São Paulo pode angustiar, mas "em eleição se perde e se ganha". De Lula não se poderá falar que faltou empenho. Marta recebeu menos votos (35%) do que a aprovação de seu governo (43%). Nesse aspecto, talvez nem mesmo o governo municipal tenha atrapalhado. Da candidata não se pode dizer o mesmo. A tática do medo, como em 2002, foi um equívoco. Mas perder para Serra no quesito simpatia é o fim da picada.

Outros resultados: a perda de espaço do PFL parece óbvia. César Maia (que derramou elogios a Lula) tem luz própria; Moroni Torgan é oriundo do PSDB. No mais, o PFL se consolidou como linha auxiliar do PSDB. Apressa-se quem disser que só Antônio Carlos Magalhães sai enfraquecido. A debilidade do baiano apenas expressa as fragilidades de um partido que se afastou das benesses do governo federal, que é justamente a crítica que faz a Bornhausen. A desinteligência interna tende a aumentar e alguém deve ser expelido. O que sobrar será base de apoio do PSDB (no caso de Bornhausen vencer a parada) ou do governo (no caso de ACM).

Já o PMDB se afasta dos núcleos de decisão do País. Administrará elevado número de pequenos municípios; sua capilaridade é importante, mas não central. Além disso, alguns núcleos regionais se deram mal. Em São Paulo, complicou-se no apoio à Erundina (3,74%). No Rio, frustrou-se a intenção de ter Garotinho como instrumento de pressão para 2006. Este perdeu competitividade e parece deixar explícito que nos grotões (mesmo no Rio de Janeiro) a máquina federal é relevante. É verdade que no Senado a história é outra; ainda assim, não fosse a proximidade com a máquina, talvez o destino da sigla fosse o mesmo do PFL.

Será necessário, portanto, verificar como se juntarão os cacos, até porque prefeitos trocam de siglas. Quais acordos serão estabelecidos com vistas às disputas estaduais. Num segundo momento, contarão o desempenho econômico e a popularidade do presidente. Agora, aliados lavarão a roupa suja das trombadas locais. Uma reforma ministerial visando à governabilidade e à eficiência do governo parece plausível. Servirá também para dar visibilidade a candidaturas regionais. Em São Paulo, Aloízio Mercadante deu a largada.

No PSDB, uma incógnita: como se portará? Geraldo Alckmin sai fortalecido. Mas a precipitação não parece combinar com seu estilo quase mineiro. Para 2006, dependerá de fatores como a satisfação popular com Lula e a capacidade de articular candidatos regionais competitivos. Passada a quentura eleitoral, o saldo obtido permite aos tucanos abrandar a temperatura, dando espaço à ala "propositiva associada", ainda que a hipótese contrária não deva ser descartada. A base tucana tende a valorizar o equilíbrio de seus dirigentes. A maior tendência é mesmo bater no ferro e na ferradura, alternando as duas posições, sem que isso signifique ambigüidade. Evidentemente, o olho em 2006 procurará punhados de apoio nos partidos que, por qualquer motivo, entrem em desacordo com o governo. A atração é do jogo.

kicker: Enquanto não sai a boa reforma política, a tendência é de realinhamento dos partidos