Título: O que será da reforma?
Autor: Coimbra, Marco
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2011, Política, p. 4
Se houvesse um ranking internacional de velocidade legislativa, seria um recorde. Em nenhum lugar do mundo deve haver desempenho comparável: em um dia, analisar e deliberar sobre temas dessa importância e complexidade Sociólogo e Presidente do Instituto Vox Populi
Enquanto vão se encaminhando para o fim os trabalhos da Comissão Especial do Senado para a reforma política, começam a se formar nuvens escuras no horizonte. Pelo que se lê na imprensa, parece que muita gente no Congresso tem dúvidas sobre se vale mesmo a pena adotar as recomendações que fará.
O anteprojeto que sairá dos 45 dias de funcionamento da comissão não está ainda pronto e tem uma tramitação longa até se tornar lei. Antes de qualquer coisa, falta saber o que os membros da comissão farão constar do texto final. Por enquanto, conhecemos apenas suas manifestações sobre os 11 pontos específicos da agenda original.
A seguir, ele será encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para que seja avaliada sua adequação à Constituição. Por menores que sejam, ela fará, provavelmente, alguns ajustes no texto.
Só depois irá ao plenário, onde o conjunto dos senadores terá opinião e poderá fazer as modificações que quiser. Não se espera, contudo, que sejam de grande monta. São tão ilustres os integrantes da comissão que ninguém imagina que todo seu trabalho será ignorado ou descaracterizado. Sem contar que o presidente Sarney é seu fiador, e tem o poder de incluí-lo ou tirá-lo da pauta, de acordo com sua percepção do momento mais vantajoso para que seja apreciado.
Mas há que ouvir a Câmara, onde já funciona uma comissão com as mesmas finalidades. É certo que os deputados não vão querer ficar como o boi no presépio, vendo a outra Casa do Legislativo assumir a iniciativa e se limitando a abanar a cabeça, referendando-a. Até para deixar nítida sua autonomia, é de se esperar que também eles formulem uma proposta, que poderá se distanciar daquela do Senado em mais de um aspecto.
A comissão da Câmara é bem diferente da outra. Em primeiro lugar, não partiu do diagnóstico de que ¿as ideias todas (a respeito da reforma política) estão muito trabalhadas, agora nós temos que discutir questões pontuais¿, como disse o senador Sarney. Essa convocação a parar de conversar e começar a fazer não encontra eco na Câmara.
Parece que os deputados não têm as mesmas certezas que os senadores. Por isso, sua comissão conta com um prazo de funcionamento de 180 dias, quatro vezes maior que o tempo que os senadores acharam que a deles precisaria. Também por isso, sua agenda de trabalhos começou com a convocação de especialistas em diversas áreas, para conhecer pontos de vista e avaliar cenários.
Constituída em 1º de março, a Comissão Especial da Câmara completou agora um mês de existência. Reuniu-se sete vezes, sendo três para tratar de questões internas e quatro para deliberar. Nessas, fez duas para aprovar sugestões de nomes a ouvir e duas para debater os diversos modelos de sistema eleitoral descritos na literatura.
Nesse mesmo período, a Comissão do Senado fez o oposto. Dispensou-se de ouvir quem quer que fosse e não achou que precisava perder tempo se acertando internamente ou debatendo. Para ela, a única coisa relevante era ir logo fazendo. Em cinco sessões, passou um trator por cima de nosso sistema político.
Acabou com a reeleição, encurtou os mandatos no Executivo, manteve a obrigatoriedade do voto, reduziu o número de suplentes de senador, mudou a data de posse de presidente, governadores e prefeitos, proibiu as coligações nas eleições proporcionais e criou um sistema eleitoral inteiramente novo, que nunca experimentamos no Brasil, de voto proporcional em lista partidária fechada. Falta-lhe uma sessão, na qual pretende resolver, de uma tacada, mais cinco questões: financiamento de campanha, cláusula de barreira, filiação e fidelidade partidárias, candidaturas avulsas.
Se houvesse um ranking internacional de velocidade legislativa, seria um recorde. Em nenhum lugar do mundo deve haver desempenho comparável: em um dia, analisar e deliberar sobre temas dessa importância e complexidade. Só mesmo para quem acha que as ideias estão todas ¿muito trabalhadas...¿.
Talvez seja por isso que se começam a ouvir questionamentos sobre o que fazer com a reforma. O que era um consenso, está se tornando uma incerteza. Quem quer seguir adiante, se as mudanças são tantas que é impossível calcular o impacto que teriam? Se há tantas dúvidas sobre sua conveniência?
É pena, mas pode acontecer. Assim como a reforma política morre se ninguém fizer nada para que saia do papel, fazer demais (e na correria) pode matá-la também. Ainda bem que a Comissão da Câmara tem prazo até o fim de agosto.