Título: Burocracia não é tema eleitoral
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Fonte: Gazeta Mercantil, 19/10/2004, Opinião, p. A-3

Como observou em informe o Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon), não estranha que nos programas eleitorais dos candidatos a prefeitos já eleitos ou que disputam o segundo turno muito se fale sobre emprego, educação, saúde, transportes e outros temas relevantes da vida nas cidades. O município é o espaço natural no qual se manifestam as necessidades e as aspirações sociais que se convertem em objeto das políticas públicas e é também nele que se afere melhor a capacidade destas de atendê-las.

Por essa razão, das três esferas da administração pública, a do município é a que mais oferece a possibilidade de se construir uma democracia real, de participação de todos na gestão dos assuntos públicos. É no município, sob a monitoria e avaliação direta dos munícipes, que se mede mais facilmente a eficiência e a eficácia na obtenção de resultados gerados tanto pelas ações públicas quanto pela integração das ações entre Estado, sociedade e iniciativa privada. Seria desnecessário, pela obviedade, exaltar o poder democrático local como modelo de gestão ou instrumento de regulação entre esses três tipos de atores.

O desafio de fortalecer a democracia implica revalorizar a participação do cidadão no cotidiano da cidade - o que significa estabelecer uma governança social que se caracteriza não somente pela participação popular, mas igualmente pela ação conjunta e responsável do poder público, da iniciativa privada e das entidades sociais e do terceiro setor nos assuntos referentes à coisa pública.

Inexplicavelmente, no entanto, observa o Sinduscon, quase nada se vê nos programas eleitorais de propostas para o combate a um dos maiores flagelos nacionais e também municipais - a burocracia. Mal necessário, a burocracia, quando exercida ao estilo vertical e hierárquico do velho Estado, opõe-se ao ideal democrático por fazer dos obstáculos que erige à comunicação e à informação condição do exercício do poder.

Um estudo de caso, realizado pelo Sinduscon de São Paulo, mostra o quanto a burocracia onera e retarda os empreendimentos imobiliários. Analisou-se a construção passo a passo de um conjunto residencial do Programa de Arrendamento Residencial de 900 unidades habitacionais. Normalmente, a sua execução custaria cerca de R$ 125-200 mil. Entretanto, devido à burocracia, esse valor sobe para algo entre R$ 475 mil e R$ 1,05 milhão.

O tempo gasto nas fases de estudo de viabilidade, aprovação e legalização do empreendimento varia de 19 a 42 meses - um absurdo, observa com razão o Sinduscon. Se os obstáculos burocráticos fossem removidos, as etapas poderiam ser cumpridas em cinco ou oito meses. É dizer que se o governo se empenhasse, seria possível construir com os mesmos recursos até quatro vezes mais habitações populares num tempo até cinco vezes menor do que o atual. Boa parte desses entraves é constituída de arcaísmos remanescentes em órgãos alheios à esfera do município. Mas, no que diz respeito à sua responsabilidade, o governo municipal poderia acelerar os trâmites, tornando mais fáceis e mais ágeis os procedimentos.

Uma das áreas estratégicas para a habitação está sob o comando do setor municipal de aprovação de projetos. Alguns municípios, que se lançaram à frente na informatização, instituíram sistemas de análise e liberação on-line. Iniciativas, como essa, de fácil implementação, representam um grande avanço na remoção do estado de atraso em que se encontram algumas instâncias decisórias fragmentárias, quando confrontadas com a urgência das demandas sociais. Estas exigem velocidade no atendimento e efetividade nos resultados, sem o que se frustra a realização do ideal republicano e democrático. Esse tipo de problema manifesta-se principalmente no licenciamento ambiental, que está a demandar a modernização de seus recursos técnicos e de seus recursos administrativos.

Mas o atraso institucional manifesta-se também na esfera do planejamento. Algumas prefeituras não concluíram os Planos Diretores. Outras não atualizaram a legislação do zoneamento. A grande maioria dos municípios não dispõe de informações integradas em rede, para facilitar o planejamento urbano e sua implementação. Na ausência de sistemas de informações integrados, os municípios não têm como atuar de modo socialmente responsável na esfera tributária. A adoção de alíquotas diferenciadas certamente contribuiria para reduzir a informalidade, conter a evasão e elevar a arrecadação.

Municípios que implementaram tais medidas conseguiram aumentar a oferta de habitação popular. Espera-se que os futuros prefeitos saibam aproveitar a lição.

kicker: A ineficiência da burocracia municipal, que se manifesta em toda parte, é um tema ausente dos programas eleitorais