Título: A caneta e a aprovação popular
Autor: Sérgio Prado
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/10/2004, Opinião, p. A-3

Eventuais derrotas do PT não desgastam o presidente. A tese de que o Executivo sairá do pleito municipal com feridas profundas, a ponto de ver muito complicada sua vida no Legislativo, é tão consistente quanto um castelo de cartas. Tal pesadelo nunca virou realidade com Fernando Henrique Cardoso, em oito anos, tampouco tem chances reais hoje de vingar com Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo simples fato de que o chefe do governo tem caneta de tinta bem legível. E dispõe de recursos do Orçamento em abundância, apesar do aperto fiscal.

Por isso, da mesma maneira que construiu logo ao assumir sua base de sustentação no Parlamento, passada a eleição Lula terá todos os instrumentos para mantê-la em sintonia com o governo. Basta um pouquinho de habilidade política.

Aos fatos. A arrecadação da Receita Federal é poderosa, a ponto de ser o primeiro pilar do País a recuperar-se quase por completo do baque cambial de 1999, no início do segundo quatriênio de Fernando Henrique.

Com dinheiro no caixa, fica ainda mais fácil para Lula adubar as searas das bancadas, como gosta de brincar o professor David Fleicher, cientista político da Universidade de Brasília. Sem falar que, neste ano, o cofre beneficia-se também do bom desempenho da economia. Este, por sua vez, melhora a qualidade política do governo, seja entre investidores, seja nos segmentos mais desafortunados da planície, que vêem melhora no emprego. Não custa nada dar uma atenção aos índices de aprovação crescentes de Lula e do governo, auferidos por institutos considerados insuspeitos. Trata-se de mais um ingrediente para temperar a idéia de que, mesmo com derrotas pontuais do PT em centros importantes Brasil afora, o presidente chegará em novembro sem desgaste significativo. E terá espaço suficiente para tocar votações de seu interesse, como as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e o Orçamento de 2005, entre os temas que prometem suscitar polêmica antes das férias no Congresso.

Aqui, aliás, o Planalto já mandou um sinal claro como o céu do cerrado. Veio pelo senador Romero Jucá (PMDB), um dos vice-líderes do governo, abrigado no maior partido da Casa Alta. Ele disse que o Planalto não está disposto a gastar além de R$ 4,5 bilhões para compensar os estados pelas isenções dos impostos às exportações. É um fosso monumental a separar os dois lados, pois os governadores sonham com algo em torno de R$ 18,2 bilhões.

Jucá não assina cheque. Mas se Lula, que tem essa atribuição, concordar com uma compensação aos exportadores de R$ 6,5 bilhões, os negociadores estariam no ponto de partida na discussão da reforma tributária. Ainda no campo das hipóteses, se o presidente acordasse de bom humor e aceitasse liberar R$ 8,5 bilhões, as duas partes avançariam ao ponto final da votação da reforma, com o qual concordou o ministro Antonio Palocci.

Portanto, a forma como o Planalto toca o Orçamento é mais uma evidência de que o governo emerge do ano eleitoral ainda mais fortalecido.

kicker: Desempenho da economia melhora a qualidade política do governo