Título: Retrato de um País que não sabe envelhecer
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2011, Brasil, p. 8

Daqui a 40 anos, a proporção de idosos na população será três vezes maior. Série de reportagens mostra os principais problemas sofridos por essa faixa etária: abandono, violência, exploração e exclusão

Com uma das mãos apoiadas na bengala, Heleno Mendes da Silva usa a outra para se certificar de que as contas estão certas. Segundos depois, o semblante é de admiração. Ele custa a acreditar que já viveu tanto. Afinal, para quem nasceu em 1922, quando as pessoas morriam em média aos 34 anos, beirar os 89 pode ser considerado surpreendente. Mas o senhor de olhos avermelhados e cabelos brancos representa apenas o início da mudança demográfica radical pela qual o Brasil passa. Uma combinação de fatores ¿ menos filhos por mulher, evolução da medicina e maior acesso a serviços básicos ¿ começa a provocar verdadeiro boom. A população idosa no país cresce de forma vertiginosa, de acordo com projeções oficiais.

Se hoje, para cada 100 crianças de zero a 14 anos há 24 idosos, em 2050 serão 172. Motivo justo de comemoração, a longevidade conquistada também traz desafios imensos para uma nação onde, em quatro décadas, 30% dos moradores terão mais de 60, principalmente se os 10% nessa faixa etária atualmente já padecem vendo seus direitos desrespeitados. Abandono, violência, exploração e exclusão são quatro facetas extremamente graves do envelhecimento que o Correio aborda, a partir de hoje, na série Retratos de um país que não sabe envelhecer.

O desrespeito vem de todos os lados. É o Estado que não consegue atender as necessidades de saúde do idoso, a sociedade que lhe nega um simples assento dentro do ônibus, a família que o repele da convivência. ¿Problemas da atualidade, como colapso dos hospitais e a violência dentro de casa, ganham uma dimensão gigantesca diante de um ser tão vulnerável¿, adverte o geriatra Renato Maia, professor da Universidade de Brasília (UnB) e referência no tema do envelhecimento. O médico é um dos muitos especialistas que consideram o Estatuto do Idoso, em vigor desde 2003, instrumento de poucos resultados. ¿Tirando a vaga de estacionamento e a preferência na fila, o resto é um monte de palavras bonitas¿, resume.