Título: Os vices viram personagens decisivos
Autor: Wallace Nunes
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/10/2004, Política, p. A-7

Rui Falcão, com Marta, e Gilberto Kassab, com Serra, têm trajetórias políticas bem diferentes. A figura do vice é um personagem importante na grande maioria das instituições, sejam elas políticas ou não. Sua presença está sempre a lembrar ao principal - seja o prefeito, o governador ou o presidente - que ninguém é insubstituível. Inegável, no entanto, a existência de um mito em torno do vice e sua aura de eminência parda, quase sempre oculto, nos bastidores, por existir mas sem poder aparente, embora exale um magnetismo irresistível para a traição.

Na disputa pela cadeira de prefeito de São Paulo, o papel do vice-prefeito ficou mais importante e acirrado desde o começo do 2 turno - ainda mais com os titulares, Marta Suplicy (PT) e José Serra (PSDB), ganhando espaço junto ao eleitorado e se cacifando para as eleições de 2006. Especula-se, entre os meios tucanos e também petistas, que ganhando ou perdendo tanto Marta quanto Serra podem voltar a serem adversários na disputa pelo governo do estado. Serra, segundo interlocutores no ninho tucano, está eufórico com a possível vitória e pretende alçar vôo maior podendo até voltar a disputar a presidência.

Há uma semana, o comando de campanha dos dois candidatos discutiram as posições dos seus respectivos vices. Rui Falcão (PT) e Gilberto Kassab (PFL) que disputam o mesmo cargo têm suas trajetórias políticas bem diferentes. E também as pessoas que os cercam. Falcão, 60 anos, jornalista um dos fundadores do PT, em 1980, iniciou sua atividade parlamentar em 1990, quando foi eleito deputado estadual. De formação trotkista, presidiu o diretório municipal de seu partido com mão de ferro de 1989 a 1993 e ainda coordenou a campanha do então candidato à presidencia Luiz Inácio Lula da Silva na eleição de 1994. Eleito suplente de deputado federal em 1998, licenciou-se do mandato para coordenar a campanha de Marta Suplicy em 2000. O petista aceitou o convite da prefeita para ser seu secretário de governo. Ficou no cargo até junho deste ano, quando deixou a Prefeitura para integrar a campanha de reeleição na condição de candidato a vice e coordenador do Programa de Governo do segundo mandato.

Amigo pessoal da prefeita, sua candidatura ao cargo de vice esteve ameaçada por conta da tentativa de acordo entre o Palácio do Planalto e o PMDB de Michel Temer e Orestes Quércia. Mas a posição do Planalto foi abortada por Marta que, na avaliação de membros do governo federal na época, ao dizer no programa "Roda Viva", da TV Cultura, que não confiaria num vice peemedebista. A afirmação de Marta no programa quase levou Temer, presidente nacional do PMDB, a apoiar José Serra no primeiro turno. Mas o ministro peemedebista Eunício Oliveira, que tentava articular a aliança com o PT, apelou para Temer não hostilizar o presidente Lula e acabar aceitando a aliança.

"Como vice, vou continuar ajudando a prefeita Marta Suplicy a dar continuidade aos projetos que estão transformando São Paulo numa cidade cada vez melhor para se viver. Foi assim nos três anos e meio em que fui secretário do governo, e assim pretendo que continue. Já com o Serra, a gente nunca sabe", resumiu Falcão.

Discreto e profissional

O cargo de vice, por ser fruto, muitas vezes, da composição de forças divergentes ou concorrentes, é procurado para influir junto ao poder e instado a galgar mais um degrau, tomar o lugar da frente. É o caso do economista Gilberto Kassab 44 anos, escolhido pela cúpula do PFL por ter um perfil de jovem administrador.

Membro da classe média paulistana, o deputado federal é considerado discreto e integrante da geração de políticos que valorizam o conhecimento e profissionalismo. Conquistou espaço junto aos correligionários pefelistas por ser bom articulador e rápido na tomada de decisões. Kassab é ainda o vice-presidente estadual do PFL paulista e está em seu segundo mandato como deputado. Além disso, foi secretário municipal de Planejamento do então prefeito Celso Pitta (1997-2000), cargo que quase lhe custou o fim de sua carreira política, por conta de acusações de desvio de dinheiro público.

O PT, da candidata Marta Suplicy vem acusando o tucano José Serra de ter um vice corrupto e questiona o papel que Kassab teria em um eventual governo tucano. Uma das armas do PT na campanha contra Serra tem sido criticar Kassab. O partido enfatiza que, caso o vice assuma a prefeitura, "é a turma do Pitta de volta".

A tentativa do PT de execrar Kassab quase fez a cúpula do PSDB levar adiante a idéia da trocar o candidato a vice. Na seara pefelista, porém, não existe a menor intenção de fazer a vontade dos tucanos. Ao contrário. Além de defender Kassab de todas as acusações de quem vem sendo alvo - enriquecimento ilícito é uma delas -, o PFL considera a manutenção do deputado ponto de honra. Com Kassab, os pefelistas buscou imprimir sua marca na chapa de Serra. "Não tem porque trocar. É uma coligação que está dando certo e por isso não vamos mexer", afirma o vice-governador Cláudio Lembo (PFL). Kassab também se defende: "Estou com meu nome limpo e pronto para servir à população de São Paulo", resume.

Ontem, em campanha pelas ruas da cidade, Serra defendeu seu vice. "Kassab terá o papel que todo vice tem, o de cooperar. Não tem que haver preocupação", disse.

Problema histórico

A sabedoria popular comprovada por inúmeros exemplos famosos da história do Brasil e do mundo. E também não tão famosos, mas encontráveis em qualquer comunidade. Nas últimas cinco décadas, por exemplo, destacou-se o grave problema de transição provocado por Café Filho, vice de Getúlio Vargas, que manobrou para impedir a ascensão de Juscelino Kubitischek. Este, por sua vez, teve o problemático Jango Goulart - indispensável para trazer os votos do PTB de Vargas mas um entrave a mais para que a eleição e posse de JK fosse assimilada por setores militares golpistas. O mesmo Jango que, ao substituir Jânio, criou as condições objetivas para o golpe de 1964. Mais recentemente, José Sarney (PMDB-AP) foi empossado no lugar de Tancredo Neves para, no governo seguinte, ver o atual embaixador na Itália, Itamar Franco, cumprindo o restante do mandato de Fernando Collor.