Título: 4 milhões em perigo
Autor: Bonfanti, Cristiane; Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2011, Economia, p. 15

Além de sofrer com péssimo atendimento prestado por muitas operadoras, cliente corre risco de contratar empresa insolvente Especial para o Correio

Não bastasse enfrentar dificuldade e demora para conseguir atendimento, quase 4 milhões de brasileiros correm o risco de ver os seus planos de saúde e odontológicos falirem. Sem dinheiro em caixa e com dificuldade para atender às exigências da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 257 operadoras no setor, de um total de 1.618 em funcionamento, começaram a apresentar problemas financeiros tão graves que obrigaram o órgão regulador a intervir. Embora essas empresas sejam, geralmente, de pequeno porte, elas podem causar dor de cabeça para muita gente. Somente as 87 administradoras que passaram a ser acompanhadas de perto entre julho de 2010 e fevereiro deste ano respondem por 1,3 milhão de beneficiários.

O problema é recorrente. As operadoras oferecem preços incompatíveis com a realidade do mercado e não dão conta de se manter. A fatura cai no colo do consumidor. ¿Algumas empresas trabalham com estratégia comercial suicida. Fazem promoções, vendem descontos e o que arrecadam não é suficiente para pagar as despesas. Apostam que nem todos vão usar o serviço e, quando há uma demanda maior, ocorre um desequilíbrio¿, diz o assessor de Gerenciamento de Saúde das Clínicas Oncológicas Integradas (COI) e ex-gerente-geral de Estrutura e Operações dos Produtos da ANS, Everardo Braga.

Cansado de pagar e não ter atendimento, o policial militar Cantarelli Mendes, 34 anos, cancelou o plano após uma série de insatisfações. ¿Rescindi o contrato há cinco meses. Na hora de marcar consultas, se dizemos que vamos pagar, as clínicas resolvem na hora e somos atendidos no mesmo dia. Se for por convênio, a demora é de mais de um mês¿, reclama. Agora, ele procura uma nova operadora também para o seu filho, Victor Mendes, 11 anos. ¿É importante ter um suporte, principalmente para ele, que ainda é criança¿, diz.

A servidora pública Lídia Neves, 31 anos, e o marido, Daniel Hora, 33, passaram por problemas com o serviço há seis meses, quando a filha Maria Teresa nasceu. ¿Dei à luz antes do tempo e ela ficou na unidade de tratamento intensivo (UTI). O plano não cobria os exames complementares, mas como ela tinha apenas um quilo, eu não podia transferi-la. Acabei pagando e pedi reembolso, mas ainda não sei se vou conseguir¿, relata a mãe. Apenas um dos procedimentos custou R$ 200. ¿O mínimo esperado é que, em uma emergência, o convênio faça a parte dele. É um absurdo¿, completa.

Pelos dados da ANS, do total de empresas em acompanhamento, 182 estão sob regime de direção fiscal, quando um profissional é nomeado para acompanhar de perto a situação da unidade. A própria agência reguladora reconhece, porém, que 80% dos planos que sofrem essa intervenção estão num buraco tão profundo que não devem conseguir se reerguer. O prazo dado para a empresa geralmente é de um ano, mas ela pode decidir encerrar as atividades antes. Se considerar a situação irrecuperável, a ANS também costuma fechar o cadastro antes desse período.

Portas fechadas Ao todo, 75 operadoras de planos de saúde já estão na fase de liquidação extrajudicial, a ponto de fechar as portas. Para evitar problemas maiores para os beneficiários, a ANS oferece a essas últimas um prazo de 30 dias para venderem a carteira de clientes. Quando elas não conseguem ¿ o que acontece na maioria dos casos ¿, a própria agência realiza leilões. Mas, como os contratos anteriores, muitas vezes, apresentam preços baixos, nem sempre a venda é efetivada. ¿Chegamos a fazer três ou quatro editais. Por isso, temos utilizado a portabilidade especial. Assim, quando o leilão não é concluído, o próprio beneficiário pode procurar outro plano sem ter de cumprir a carência¿, explica o diretor adjunto de Normas e Habilitação de Operadoras da ANS, Leandro Fonseca.

Ele admite, porém, a hipótese de os clientes ficarem sem atendimento. ¿Em situações-limite, a operadora já vem com dificuldade, muitos clientes saem e o que resta na carteira é um perfil de beneficiário difícil de ser aceito por outra empresa. São grupos com cerca de 20 pessoas. Mas esses casos são exceção¿, garante Fonseca. O diretor adjunto ressalta, no entanto, que, antes da criação da ANS, em 2000, os consumidores não contavam com proteção. ¿É importante deixar claro que, até a chegada de um marco regulatório, eles ficavam descobertos. Se o plano de saúde fechasse as portas, nada poderia ser feito. Hoje, usamos todos os mecanismos para que o atendimento seja mantido.¿

Perdas financeiras O regime de portabilidade especial começou a ser utilizado no ano passado em casos específicos, depois de uma sequência de leilões fracassados. Na tentativa de possibilitar melhorias aos beneficiários, a ANS submeteu o instrumento a consulta pública e pretende oficializá-lo ainda neste ano. Embora seja um avanço, para especialistas a medida não garante as condições de contrato dos clientes e o plano pode acabar ficando mais caro.