Título: A primeira guerra
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2011, Mundo, p. 22

Nobel da Paz, presidente Barack Obama teme que envolvimento na Líbia comprometa sua imagem e a reeleição As decisões do governo norte-americano de intervir na Líbia, assumir o comando da ofensiva e repassá-lo à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foram todas resultado de complicadas equações entre as pressões externa, da oposição e dos próprios membros do governo sobre um vacilante presidente. Barack Obama, um líder Nobel da Paz que sempre enfatizou sua posição contrária à invasão do Iraque, viu-se diante da decisão mais difícil de seu mandato: ordenar o bombardeio contra as forças do ditador líbio, Muamar Kadafi. A hesitação ficou clara na demora pela ação ¿ foram necessários 30 dias de confrontos sangrentos entre rebeldes e o governo da Líbia até a intervenção ¿, nos cautelosos discursos de Obama anteriores à ofensiva e na espera por um respaldo internacional.

O receio é compreensível. Tudo o que o presidente não precisava agora era de uma guerra no seu currículo. Ele já herdou dois conflitos, os quais não conseguiu finalizar. No Iraque, ainda permanecem 47 mil soldados, que Obama prometeu retirar até o fim deste ano. No Afeganistão, a situação é bem mais complicada, com a retirada dos 90 mil militares americanos cada vez mais incerta. O mandatário também não conseguiu fechar a prisão de Guantánamo e tem sofrido para recuperar a economia e reduzir o desemprego ¿ as principais demandas da população. Em alguns meses, precisará enfrentar a disputa pela reeleição. O presidente sabe que não seria conveniente levar para a campanha a bagagem de um ¿segundo Iraque¿, agora sob sua responsabilidade.

Ao discursar para o público interno sobre a intervenção na Líbia, na última segunda-feira, Obama deixou clara a preocupação de não seguir ¿o mesmo caminho do Iraque¿. ¿A mudança de regime lá levou oito anos, milhares de vidas americanas e iraquianas e cerca de US$ 1 trilhão. Isso é algo que não podemos deixar se repetir na Líbia¿, disse. Para quem acompanhou de perto as incertezas que rondaram o período anterior à invasão do Iraque no governo Bush, contudo, as semelhanças existem, mesmo sem tropas terrestres e com o suporte de uma resolução da ONU.

Meghan O¿Sullivan, vice-assessora de segurança nacional para Iraque e o Afeganistão na gestão anterior, disse ser difícil ¿não ouvir os ecos e reconhecer os perigos potenciais¿ de uma intervenção militar americana em um terceiro país árabe. ¿A equipe de segurança nacional de Bush foi criticada por sugerir que a invasão seria rápida, simples e barata. (¿) Obama pode estar se encaminhando para o mesmo erro. Em seu discurso, ele pareceu confiante de que a participação dos EUA pode ser revertida de maneira significativa, mesmo antes que o esforço esteja completo¿, afirmou O¿Sullivan, em artigo publicado na última sexta-feira pelo o jornal The Washington Post.

Sem saída Apesar dos ¿fantasmas¿ do Iraque e do Afeganistão, e de todas as suas ressalvas, Obama aparentemente não teve força política para evitar a entrada dos EUA na guerra por muito tempo. A pressão veio do próprio governo, de figuras como a secretária de Estado, Hillary Clinton, e de Susan Rice, representante do país nas Nações Unidas. Rice inclusive não perdeu qualquer oportunidade de comparar a situação na Líbia com a de Ruanda, em 1994, quando uma decisão americana permitiu um genocídio ainda mais expressivo. Segundo a revista The Daily, fontes próximas a Hillary revelaram seu descontentamento em ¿lidar com um presidente que não consegue se decidir¿, especialmente na questão da Líbia. Pela secretária, os EUA já teriam agido bem antes.

¿Houve pressão da França, do Reino Unido, da Arábia Saudita, dos `neoconservadores¿, como os senadores (John) McCain e (Joseph) Lieberman, dos `falcões humanitários¿ no governo, como Susan Rice e Samantha Power, com o apoio da secretária Clinton¿, enumerou Robert Naiman, diretor do Instituto Just Foreign Policy, ao Correio. Para Julian Zelizer, professor da Universidade de Princenton, ficou claro que Obama preferia um ¿engajamento limitado¿. ¿Obama foi muito relutante em relação a essa guerra. Sua hesitação para entrar ou falar sobre a operação demonstra que ele não está entusiasmado com isso¿, afirmou. A postura inicial do presidente, no entanto, considerava mais os riscos políticos do que humanitários da ação, segundo Zelizer. ¿Obama se abstém do que vê como extremos e tenta criar um centro pragmático e difícil de definir. A ambiguidade lhe dá margem de manobra¿, disse.

As táticas do democrata para amenizar o impacto de uma ação sobre o seu governo e sua imagem incluíram desde assegurar que uma resolução sobre a zona de exclusão aérea fosse antes aprovada no Conselho de Segurança da ONU, até deixar que a França iniciasse o bombardeio após Kadafi romper o cessar-fogo. Além disso, Obama apressou-se em justificar a intervenção como forma de ¿impedir um massacre¿, descartou o envio de militares americanos para ações em terra e evitou usar o termo ¿guerra¿. Entretanto, o tom nos últimos dias subiu, e ele já admitiu ¿não descartar¿ o armamento dos rebeldes. A imprensa dos EUA revelou que a Agência Central de Inteligência (CIA) enviou seus homens à Líbia para fazer contato com os oposicionistas e apoiá-los. O presidente, porém, continua resistindo em admitir que o objetivo das ações é retirar Kadafi do poder. ¿É preciso saber de fato qual é a missão. A CIA é simplesmente uma ferramenta, e uma ferramenta só pode ser eficiente com uma política por trás dela¿, destaca o especialista Larry Johnson, ex-agente da CIA.