Título: A ilusão do preço de custo
Autor: Maria Lúcia Gonçalves Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/10/2004, Opinião, p. A-3

Sistema cresceu no mercado imobiliário como saída à falta de crédito. Nos anos 70, a construção civil viveu uma década de grandes empreendimentos, realmente a "época do milagre". A carência de habitação e as linhas de crédito facilitadas tanto para o construtor quanto para o comprador, pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), levaram a produção de habitações a atingir seu ápice.

Com o fechamento do BNH, as linhas de crédito escassearam e a década de 80 começou com os construtores buscando uma nova forma de produzir habitação. Era preciso construir e encontrar aqueles que queriam investir em imóvel. Os construtores montavam grupos de investidores interessados num empreendimento que pagavam ao construtor para que conduzisse a obra.

Era o chamado preço de custo. Nada melhor para o construtor!

Os investidores não conheciam nada de construção e pagavam as contas da construtora, que não precisava sequer ser eficaz. Quanto mais o construtor gastasse, melhor, pois ele recebia uma porcentagem pelo que gastava.

Veio então o Plano Collor e o dinheiro foi retirado do mercado. Como então vender habitação? Investidores não podiam mais pagar.

A carência de habitação ainda existia, mas para uma classe média empobrecida e que já não podia adquirir um imóvel pelos preços praticados pelo mercado.

Era preciso criar uma nova forma de financiamento associada à eficácia de construir. Vieram então os criativos planos onde o próprio empreendimento se autofinanciava. O construtor tinha de comprovar sua eficácia compartilhando o risco com o comprador, assumindo o gerenciamento do dinheiro e sendo eficaz na construção. Surgiram alternativas como parcerias entre construtor e fornecedor. Os preços dos produtos eram mantidos até o final do empreendimento ou reajustados pelo mesmo índice de correção das parcelas pagas pelo comprador. Um real avanço no desenvolvimento do setor da construção civil.

No entanto, passados 20 anos do início do preço de custo, surpreendemo-nos como ainda é possível encontrar investidores que adquirem imóveis por esse sistema para, depois, se lamentarem dos altos preços das parcelas, do atraso das obras e da qualidade final do empreendimento.

Muitos sequer fazem as contas do que pagaram ao longo do tempo e mal sabem que jamais vão ter o retorno do investimento feito.

Questionamo-nos como isso pode acontecer e por que pessoas esclarecidas ainda entram nesse tipo de negócio. A única resposta que nos vem é: "O prazer de estar pagando o preço pelo que custou".

Quantas vezes na nossa vida não saímos de uma loja após comprar um produto que julgamos ser barato, e dizemos: "Não paguei nem o preço do material", porque julgamos ter pago aquilo que era o custo do produto. Sentimos estar fazendo um bom negócio. Comentamos com nossos amigos e ficamos felizes por algum tempo.

Em 1996, o mercado começou a perceber o milagre dos produtos chineses. Só se falava das camisetas de R$ 1,00. Hoje, quase dez anos depois, sabemos que, quando compramos um produto "made in China", ficamos atentos porque eles custam pouco, mas também duram pouco.

Em mercados mais esclarecidos e desconfiados, essa forma de vender já não é possível. A qualidade está cada vez mais sendo exigida, o valor da marca, aliado à ética da empresa, acaba pesando e fazendo com que o mercado, de modo geral, comece a melhorar o padrão, com resultado de ganhos mútuos para todos. No Brasil, o nível de exigência do consumidor ainda fica muito a dever. A sensação de pagar o custo ainda bloqueia o nosso olhar para a realidade.

kicker: A sensação de pagar só o custo ainda bloqueia o olhar do comprador para a realidade