Título: As águias não geram pombos
Autor: Flavio A. Corrêa
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/10/2004, Opinião, p. A-3
Um dos livros que mais me impressionaram foi "The Death of Common Sense - How Law is Suffocating America", de Philip K. Howard, 1994. Segundo o jornal Forth Worth Star Telegram, "esse livro nos explica por que o governo nos deixa loucos".
Faz uma detalhada reportagem sobre como leis inconseqüentes tomaram o lugar do bom senso na sociedade norte-americana, relatando casos reais de como o Estado conseguiu interferir de maneira ditatorial na vida dos indivíduos e da sociedade, regulando tudo o que se possa imaginar - coisas que nem mesmo a nossa vã filosofia alcança.
Coisas como impedir que Madre Tereza de Calcutá construísse um novo abrigo para sem-tetos porque o código municipal exigia elevador no prédio, ou que as crianças pudessem colar nas paredes seus desenhos feitos com lápis sobre o papel para evitar incêndios, ou que banheiros públicos fossem construídos em Nova York porque a lei exige que todos tenham facilidades para acolher deficientes separados por sexo - o que tornou impossível sua construção pelo seu alto custo e pela indisponibilidade de terrenos com dimensões adequadas.
Nada contra os deficientes, é claro, mas para proteger uma minoria a lei obriga que a esmagadora maioria de nova-iorquinos faça xixi nas calças.
E isso lá nos Estados Unidos, país da democracia, da mão invisível de Adam Smith, cuja constituição - a mais enxuta do mundo - tem apenas 12 artigos e apenas 27 emendas em mais de 200 anos. E nós, no Brasil? Que dizer da nossa sociedade depois da Constituição-cidadã de 1988, que, com seus mais de 200 artigos, transforma tudo em matéria constitucional?
Que dizer da nossa sociedade, cuja trama burocrática, que nos coloca ao lado de países como Serra Leoa, joga um povo decente e trabalhador forçosamente na ilegalidade por ser impossível cumprir todas as leis, decretos, portarias e regulamentos, a maioria totalmente distanciada da realidade do País?
O fato é que, apesar disso, estamos diante de um lamentável quadro de acelerado recrudescimento da fúria legífero-estatizante, muito característica de países subdesenvolvidos.
Se não, vejamos alguns dos temas em discussão:
lei da mordaça, lei da algema para o Ministério Público, controle da profissão de jornalista, Ancinav (controle sobre o conteúdo da televisão e cinema), estatuto do desarmamento (que transforma o porte de arma num privilégio dos criminosos), etc.
Tudo isso num quadro de demagogia crescente e hipocrisia galopante que pretende aumentar geometricamente o grau de interferência do Estado na vida do cidadão, interferência muitas vezes irracional, atingindo os limites máximos da tolerabilidade, numa cabal demonstração de crescente distanciamento do Estado da realidade da Nação. É por causa disso que o Brasil é o país onde há leis que pegam e leis que não pegam.
Enquanto isso, o governo manda para o Congresso um projeto de lei que acaba de vez com a meritocracia, reduzindo drasticamente os impostos de pequenos negócios com faturamento até R$ 3.000. Quem faturar R$ 3.001 que se dane. É a apologia da incompetência. Quem crescer se "ferra".
Os doutos do PT, os mesmos que sugeriram ao presidente deportar o jornalista do New York Times que lhe fez críticas, saíram na frente da discussão da Lei Geral das Pequenas e Microempresas.
Uma lei que pretende instituir aquilo que o Brasil espera há tantos anos: efetivo estímulo ao empreendedorismo, dando tratamento desigual para desiguais, e não tratando o pequeno empresário, que é o verdadeiro colchão social da sociedade, igualzinho às grandes corporações.
Como diz Fernando Rodrigues (Folha de S. Paulo, 11/10/2004), sofisticação para fazer uma reforma tributária decente o governo não tem. Quando faz, erra. Em resumo: toda vez que o governo Lula não tem uma idéia, o Brasil melhora. E não parece que seja culpa do presidente, mas sim dos tais "doutos do PT", ainda desacostumados com a gerência da res publica e que acham que estatizar a Nação, inclusive culturalmente, seja o caminho da redenção.
O presidente, cujo faro de estadista o fez descolar-se das origens radicais do seu próprio partido, e nós todos vamos ter de conviver com esta situação por muito tempo.
Até que o PT "autêntico", que está infiltrado em toda a administração pública federal, aprenda a separar demagogia e autoritarismo do verdadeiro interesse público. Portanto, a sociedade civil tem de permanecer atenta e mobilizada contra todos os tipos de excessos. Afinal, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Mesmo porque, como diz o provérbio latino, non generant aquilae columbas- as águias não geram pombos.
kicker: A sociedade civil tem de permanecer mobilizada contra todo tipo de excesso