Título: Visita da AIEA pode superar impasse sobre inspeção do urânio
Autor: Luciana Collet
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/10/2004, Nacional, p. A-6

Três inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), visitaram ontem a nova fábrica de enriquecimento de urânio, em Rezende (RJ), na tentativa de resolver o impasse sobre a inspeção no local. Os especialistas ficaram mais de seis horas na fábrica de combustível nuclear das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), acompanhados por técnicos da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc) e da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).

O grupo permaneceu por duas horas na unidade II da fábrica, onde funcionam as ultra-centrífugas, mas só teve acesso visual aos pontos de amostragem, às conexões e às tubulações. A visita seguiu a proposta defendida pelo governo brasileiro de que as inspeções sejam limitadas à examinação dos equipamentos adjacentes às centrífugas, como maneira de preservar os segredos comerciais da tecnologia brasileira de enriquecimento de urânio.

Segundo o governo, a tecnologia desenvolvida no Brasil reduz a fricção nas centrífugas, o que torna o processo 30% mais eficiente que o utilizado nos outros países. Por isso, o temor é que a tecnologia brasileira possa ser roubada por outros países. Por outro lado, a AIEA defende que o acesso visual a todo o processo é necessário para excluir a possibilidade de qualquer desvio de material nuclear da unidade.

O urânio enriquecido em baixos níveis é usado como combustível para geração de energia. Em taxas mais altas de enriquecimento, a substância pode ser utilizada na fabricação de armas nucleares. Mas para ser usado em bombas, o material precisa ser cerca de 20 vezes mais puro do que o empregado nos reatores civis, como é o caso da produção do INB.

Os Estados Unidos declararam acreditar que o Brasil de fato produzirá urânio apenas para suas centrais elétricas nucleares de Angra dos Reis, e não para a fabricação de bombas atômicas, conforme já retificado pelo Brasil no acordo de não-proliferação de armas nucleares, mas pressionam o País a aceitar inspeções porque não querem criar um precedente para nações como a Coréia do Norte e o Irã, acusadas de desenvolverem armas nucleares, não agirem em conformidade com as determinações da AIEA.

Na segunda-feira, Odair Dias Gonçalves, presidente da CNEN, disse que a AIEA não insistiu mais no "acesso total e irrestrito" às centrífugas, o que despertou o otimismo de que o impasse, existente há pelo menos seis meses, esteja prestes a acabar. Ontem, no entanto, uma porta-voz da AIEA afirmou que a agência "não vai comprometer seus requisitos técnicos fundamentais, que garantem que não há desvio de material nuclear para fora da fábrica".

Na saída da fábrica de Rezende, os especialistas da AIEA não quiseram falar sobre a visita. Hoje, eles participam de uma reunião na sede da Cnen, no Rio de Janeiro, para decidir se admitem o acesso limitado às centrífugas, como quer o Brasil. Se aceitarem a proposta brasileira, outro time de inspetores será enviado para aprovar a planta da fábrica. Somente após a inspeção o Brasil poderá começar a enriquecer urânio.

Inicialmente, a fábrica de Rezende vai fornecer combustível para Angra I, Angra II e futuramente Angra III. Mas, já se vislumbra a possibilidade de o País exportar o elemento combustível, em substituição ao chamado "yellow cake", substância derivada da mineração de urânio, mas de valor comercial muito inferior ao das pastilhas geradas pelo processo de enriquecimento e reconversão desenvolvido pela INB.

kicker: Reunião na CNEN definirá se acesso continuará limitado como quer o governo